as cobras.
O fato:
Ela namorava com ele porque o amava; ele namorava somente para ter uma foda fixa. Ela não sabe disso ainda, então, por favor, não comente. Cicatrizes não devem ser mexidas, para que não vaze de dentro delas os gritos que permanecem calados; em forma de líquido corrosivo, lágrimas.
Quem contou? Você? Eu posso ouvir seus gritos! Vou ser breve, prometo:
Feliciana, a infeliz, é uma manteiga derretida, parece viver em uma eterna TPM. Ironia ter um nome que remete felicidade; é tanta tristeza que poderia ser poeta caso soubesse fazer versos.
Nossa triste protagonista sempre teve poucos amigos. Desde a infância, fase em que era uma garotinha acima do peso – eliminemos os eufemismos, Feliciana era obesa – ela sempre esteve longe de ser a bonitinha, que todos cobiçam um pedaço. Naquela época – ela não entendia se por padrão estético ou pelo simples prazer da chacota – seus amigáveis colegas a chamavam de “baleia feliz”; e o ritual se repetia todo santo dia.
Baleia Feliz?
“Feliz”, óbviamente, vinha do FELICIANA que lhe penduraram no pescoço antes mesmo de nascer; “baleia”, para nós que a conhecemos é mais óbvio ainda, mas para você que não a conhece, vamos descrevê-la 15 anos atrás para que nos possa entender: Andar capenga, pernas roliças, óculos – estes com lentes grossas e armações tão grandes que lhe tomavam metade do rosto – e bochechas rosadas, bem salientes.
De olhos fechados vê novamente a cena que presenciou por tantas vezes quando criança: “Baleia feliz, baleia feliz, baleia feliz”, a frase gritada num coro maldito; entre a orquestra sem instrumento estava Antônio. Este, com nome de poeta, era a paixãozinha de Feliciana – aquela que todo mundo tem e que nos assombra por anos durante a infância – e também era o dono do “baleia feliz, baleia feliz, baleia feliz”, mais grave daquela roda, que tinha em seu centro uma gordinha banhada em lágrimas.
Por que choras a noite?
Feliciana, demasiadamente infeliz, 22 anos, jornalista recém formada, desempregada. Disse que está indo viajar, não sabe pra onde. Traz na mão direita uma mala furada; em seu interior há uma infância traumática, um namoro fracassado e uma constante ausência – do pai que perdeu, do avô que não conheceu, do bisavô que dizem ter tido... ausência da lembrança de um homem que lhe estendesse a mão e dissesse, “eu te amo” – em vez de “baleia feliz”.
Outro fato que ela ainda não sabe:
Seu namorado está lhe traindo. Isso ele faz constantemente, mas agora está fazendo com uma loira gostosa, e em breve mandará Feliciana à merda. Mas continuemos com o combinado: por favor, não comentem!