sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

↕ Perpétua

E de cegueira não veem a dor

No canto do mudo,

Bradando pro surdo

Que eu sou apenas mais um.


Sou apenas mais um

Desses que andam desalentados,

Fitando de canto,

Abafando o pranto,

Cantando pra não recitar.


Sou apenas mais um

Desses caminhando pro túmulo,

No meio do tumulto,

Rumo ao sul do pó,

Só.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

↕ Halellujah

O azul na base da chama o encanta! É um encantamento que lhe toma por inteiro, intensamente. Não tem nome, mas tem cor; é azul.

Então, com uma leitura ofegante em voz alta, sob a luz flamejante da vela dá por si com os traços do terno rosto alheio; sorrindo nos versos que acaba de recitar.

Céus, como ele deseja essa chama, sua brasa. Repete:

Me abrase.

Me perturbe.

Me abrace.

Como a voz póstuma escarrou em uma canção, “amar é atirar em quem te desarma”. E como o poeta disse outrora, “é ser fiel com quem te mata!”. E agora ele está aí, desarmado e fiel; em decomposição. Como aquela chuva que molha, mas na pele não é sentida. Como aquela música que nunca mais foi ouvida. Tudo não passa de dor consentida. Até que a vela apaga e o azul se dissipa; vira fumaça.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

↕ Janeiros

É como o vício que caminha do teu lado em um gingado lento, e você não vê. Afaga, beija, desarma. Feito um velho acuado, pele flácida, mãos encolhidas no par de bolsos do terno amassado; traz no fundo do peito somente carne crua e sabedoria.

Certa vez escrevi sobre um homem que andava por aí com os pés descalços, e que debochava das solas alheias, enclausuradas em veludo barato. Segundo ele, a estrada leva todos para o mesmo fim, sem distinguir o traje dos pés.

Hoje vou escrever sobre aquele velho ali, com as mãos nos bolsos e que não sabe ler. Não lê os sorrisos alheios para não ter que os retribuir. Foge dos rostos, dos cumprimentos; vive desatento perdendo pessoas por não atravessar a rua. Não foi treinado, por isso não sabe imitar o sorriso amarelo na sua frente, muito menos gesticular os lábios murchos e soltar, entre os poucos dentes que ainda possui, o som da hipocrisia.

É esse vício que anda do teu lado, lhe aperta forte o ombro e o faz parar; te afaga, te beija, te desarma e o principal, te salva.

Amanhã escreverei sobre o homem que não sabe ouvir. Outro sortudo! Mas adianto que sobre cegos e surdos, eu prefiro os descalços.