segunda-feira, 22 de abril de 2013

O ativismo pela revolução em “Terra em transe” e “Marighella: retrato falado do guerrilheiro”


A partir de 1964, a resistência ao sistema ditatorial brasileiro inspirou canções, poemas e, numa mistura de audácia e coragem, foi tema de filmes produzidos em pleno regime. É o caso de “Terra em transe”, filme de Glauber Rocha, lançado em 1967, período em que o regime militar atuava com agressividade, principalmente contra a liberdade de expressão. Mas entre fatos e personagens de ficção, estão personalidades reais, que possivelmente inspiraram os roteiros cinematográficos. Um desses nomes foi Carlos Marighella, poeta filiado ao Partido Comunista do Brasil (PCB), que chegou a ser considerado o principal inimigo da ditadura brasileira. Assim, o ativismo civil motivado pelo anseio em combater a ditadura está presente tanto em “Terra em transe”, quanto no documentário “Marighella: retrato falado do guerrilheiro”, de 2001, dirigido por Silvio Tendler.


Durante a ditadura, contestar era preciso, mas quase impossível em virtude da censura e das represálias. Nesse cenário, o Cinema Novo, as demais manifestações artísticas, assim como a imprensa alternativa, foram mecanismos utilizados por intelectuais da época para disseminar a resistência política. A subjetividade era a principal ferramenta para transmitir tal posicionamento. “Terra em transe” é pura subjetividade, ideologia e alusão. Retrata um país fictício, chamado Eldorado, que por vezes lembra o Brasil. Por lá, articulações e manobras políticas garantem os interesses de poucos, onde o povo continua convivendo com mazelas sociais como pobreza e injustiça.

O filme de Glauber Rocha conta a história de Paulo Martins (Jardel Filho), um poeta com ideologias revolucionárias, que corta laços com o senador Porfírio Diaz (Paulo Autran) e sua amante, Silvia (Danuza Leão) – mulher que, ao manter uma relação amorosa com Paulo, simboliza a máquina capitalista. Após o rompimento, Paulo passa a se dedicar a um jornal independente, onde conhece Sara (Glauce Rocha) – personagem que representa o desejo pela revolução e resistência política. Dessa relação com Sara, Paulo passa a acreditar que a política é o único meio de ajudar a população, através da eleição de um político popular: Felipe Vieira (José Lewgoy), eleito governador. Contudo, Vieira se mostra um homem fraco, manipulável e, embora tenha vencido as eleições à presidência do país, renuncia o cargo em virtude de um Golpe de Estado realizado por Porfírio Diaz, que almejava “a ordem imposta pela força”. A história também traz um magnata da comunicação, Júlio Fuentes (Paulo Gracindo), que usa a sua emissora de TV para transmitir informações políticas de acordo com interesses financeiros.

Difícil não associar a abordagem de “Terra em transe” com a história política do Brasil. Em 1930, um Golpe de Estado garantiu a Getúlio Vargas a presidência do país, derrubando o então presidente eleito Julio Prestes. Em 1964, outro golpe destituiria João Goulart do cargo de presidente do país, dando início a uma ditadura militar que duraria 21 anos. Sabe-se que durante o período ditatorial brasileiro na década de 1960, os veículos ligados a grande imprensa não contestavam, tampouco denunciavam as ações do regime – atitude guiada pela censura prévia ou, talvez, por interesses econômicos. Também não é incomum em nossa história a inserção na política de pessoas contrárias ao Estado – fica a dúvida se essa inserção se deu pelo desejo de justiça social ou pelo anseio de poder. Assim como Paulo, Carlos Marighella também era poeta e se engajou em ações de resistência política contra a ditadura militar. Chegou a ser eleito deputado em 1946, permanecendo na câmara até seu mandado ser destituído, assim como ocorreu com todos os eleitos pela sigla do PCB, em 1948.

O documentário sobre a vida de Marighella mostra o engajamento do “mulato baiano” no comunismo, bem como a sua vida na clandestinidade, já que seu nome estava na lista dos procurados pela polícia. Depoimentos da esposa, Clara Charf, colegas e partidários do PCB remontam sua trajetória política na “extrema-esquerda”. O filme retrata a sua participação nas ações do PCB para derrubar o regime militar na década de 1960, bem como durante o Estado Novo. Também aparece o seu posicionamento diante a luta armada engajada pelos movimentos de resistência – alguns dizem que Marighella teria sido contrário, outros alegam que ele foi a favor.

Todavia, o documentário também evidencia que a luta armada – promovida por membros da esquerda e inserida nos movimentos estudantis – realizou ações pontuais, emblemáticas, como o domínio da Rádio Nacional e o sequestro do embaixador americano Charles Elbrick. Porém, essas mobilizações não ganharam representatividade política, tampouco conseguiram intimidar o governo.  Assim, “Marighella: retrato falado do guerrilheiro” mostra que a organização e a força do Estado, principalmente a partir do AI-5, instaurado em 1968, conseguiram coibir as ações de resistência estimuladas pelo partido comunista. Como resultado, nasceu o sentimento de conformidade diante a situação política e social do país.

Nas palavras de Marighella, “o conformismo é a morte”.  Essa falta de esperança diante o autoritarismo da ditadura, criticada por Marighella, também atingiu o personagem Paulo em determinado momento de “Terra em transe”. Glauber retratou a mesma juventude que galgava por mudança, agora desmotivada, onde mil notícias amargas definiam o mundo e, da adolescência, só restava a dor, em que a poesia perdeu o sentido e as palavras se tornaram inúteis*.

Os filmes também possibilitam o questionamento quanto ao posicionamento de seus protagonistas. Há o momento em que é difícil decifrar se as atitudes de Paulo foram em prol do povo ou motivadas por egoísmo.  Também fica a dúvida se Marighella queria o fim do regime ditatorial ou o início da ditadura comunista.   

Todavia, Marighella faleceu em 1969, dois anos após o lançamento de “Terra em transe”. Talvez tenha assistido ao filme, bem como a cena em que Paulo morre, em um tiroteio, enquanto dirigia um fusca. Marighella morreu praticamente da mesma forma; foi baleado dentro de um fusca. Ambos, o personagem de Glauber e o ativista real, foram vítimas da ideologia que tentavam combater.  


* Frases retiradas de diálogos do filme, em forma de citação indireta.


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