terça-feira, 12 de março de 2013

Olhar de poeta


Para Getúlio Rui Palma



Volte e meia o vejo andando pela cidade. Passos apertados, o boné escondendo os fios brancos, camisa de botão com o estojo do óculos no bolso junto ao peito, uma pastinha embaixo do braço. Lá está ele, sentado na frente da Letra, observando o movimento da Guarani, com aquele olhar curioso; de quem guarda o mundo dentro de si, já viu de tudo um pouco e ainda anseia por mais. Eis os “olhos de cristal sem névoa”, outrora descritos por Cecília.  


Chega o momento na vida de alguns jornalistas em que o cronista e o poeta reconhecem a existência um do outro e, juntos com o primeiro, formam o desassossego galgado por Fernando Pessoa; então, este homem consegue ser comum e ainda assim tão singular. Quando isso acontece, toda e qualquer impressão, em vez de palpitar antes de ganhar o papel, passa a ser compartilhada de imediato. Ideias um tanto filosóficas, confusas, versos com e sem rima aparecem de sobressalto, diante do motivo mais obsoleto. Poesia digna de “quintanas” e “gullares”. Fazê-la com sabedoria requer simplicidade, humildade e verdade; permite-se apenas a insolência do brilho alimentado no olhar.  

Getúlio Rui Palpa, jornalista e escritor radicado em Pato Branco, autor dos livros "Histórias e estórias datadas de Pato Branco", "Pato Branco: Fé, esperança e tecnologia", entre outros.

Poucas foram as vezes que me deparei com um olhar tão terno e revelador; que fala mesmo quando o silêncio impera. Alguns conseguem encarar a vida com olhos de poeta; compreendem o gemido do vento, a frase contida, o afago sincero. Com ele, entendi que é difícil sustentar todos os dias a compreensão da inexistência do tempo pintada por Salvador Dalí; que não passa nem nos deixa para trás, quem passa somos nós. O tempo permanece, sorrindo de um jeito singelo.


Enquanto ele divaga nas vezes que me surpreende com um telefonema, me pego calada, inquieta em pensamento, tentando assimilar a ideia de que a geração que escreveu os livros na minha estante está partindo. “Se Deus não existisse, haveria necessidade de inventá-lo”, escreveu diante de mim, porque para ele algumas coisas devem ser escritas antes de ditas. Aceitar que o tempo não existe também exige outra façanha: permitir ser acariciado pela fé e crer em algo forte, capaz de vencer toda angústia que habita o peito minguado. Eis o que aprendi, com esse olhar de poeta.