quinta-feira, 26 de julho de 2012

Deus não é humano


Joelhos ao pé da cama, mãos unidas. Às vezes o pensamento voa, corre por algo sem importância, alguma futilidade. Mas a disciplina vem e, como se um tapa fosse dado na cara da consciência, a mente se volta ao que me trouxe aqui. Então agradeço pelo dia, pelo amanhã. Peço desculpas diante das falhas. Depois um Pai Nosso e um Amém. Na cama, mirando o escuro, me pergunto se o que ainda me faz rezar é realmente fé ou é o medo que me condicionaram desde criança. De ir pro inferno? De desagradar Deus? Não é isso. Minha fé é só minha e por vezes soa incomum.

Compreendo e evito essa mania bípede de humanizar Deus, achar que a tal imagem e semelhança significa que Ele é feito das mesmas fraquezas que nós. Pois não, não é. Desde a infância não consegui moldar um rosto imaginário para a figura de Deus, diferente de Jesus, retratado em filmes e desenhos animados como o homem de cabelos compridos e olhar amendoado. Meu eu da infância desenhou a imagem de cristo que ainda alimento. Mas Deus, para mim, nunca teve rosto. Sempre pareceu uma luz forte emanada de bondade.

Essa força cuja ciência busca reproduzir e identificar tampouco vai se materializar e dizer como devemos agir, apontando soluções. Deus e sua infinita beatitude se manifestam de forma singela; no vento que balbucia numa noite fria; no pássaro que beija o calor do sol; está em cada riso de criança; em milagres sem explicação; no chuviscar que banha a rua lá fora e embala meu sono. Ele também se mostra quando traz e leva as pessoas. Quando as mantém por perto. Num abraço sincero. Naquele “eu te amo pra sempre”. No verso daquele poema. Isso tudo, esperança e sabedoria, é Deus.  É Deus!

Pode não parecer e justamente por isso a compreensão é desafiadora: Deus também se mostra no triunfo zombador da tristeza, naquele instante em que a dor impera e ameaça jamais cessar. Me pergunto, ainda, como as pessoas que não acreditam Nele conseguem se manter em pé nos dias em que tudo desaba em volta. Eu rezo. Agradeço e também peço, sim. Que mal tem?

Não balance a cabeça desse jeito armado com olhar reprovador! Nem solte esse risinho abafado de quem domina a razão. O Deus que descrevo não é humanizado; por isso não falha. Te garanto que minha fé não é medo, nem tolice de quem cresceu regrada a crer. O medo e a obediência, confesso, vieram primeiro, em par. Mas depois veio a compreensão, o arbítrio, a busca e o encontro com Deus. E eu o encontro desde menina. O sinto todos os dias. Falo com ele antes de dormir. E  todas as noites a mesma cena se repete: joelhos ao pé da cama e mãos unidas.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Notícias suas

Encontrei no meio da estante empoeirada aquele livro do Camões que você me deu. Não era meu aniversário nem nada, mas você lembrou que eu gostava; do mesmo jeito singelo que roubou de um sebo aquele livro com reportagens da Folha de São Paulo da década de 70. Aceitei o mimo sem remorso – sim, fui cúmplice do furto com cheiro de mofo. Também achei aquele cd do The Doors que você me trouxe de aniversário, toda cheia de pompas porque o disco já era seu, estava meio riscado e veio sem papel de presente. Mas era o seu disco preferido, com a voz aveludada do Morrison, a mesma dos meus 17 anos. Gostei tanto. Graças a você, Kerouac e Bukowski vieram juntos, numa bofetada só. Foi de aniversário? Sempre você, com seus presentes sensoriais, viscerais. E eu, ainda tão inocente. Então, sem esforço, me encantei pela garota mais linda da cidade; mas não aguentei o peso da mochila dos vagabundos iluminados. Foi mais tarde que li Tristessa. Então compreendi: você queria me libertar. Por querer me dar coragem e ousadia, me deu “1001 maravilhas naturais para ver antes de morrer”. Disse que era para eu escolher um desses lugares emoldurados para irmos justos. Quando me formei, você me entregou um Roberto Bolaño. As vezes desvio as palavras, da mesma forma em que desvio seus olhos. Aliás, sinto falta dos seus “olhos de cristal sem névoa”, como diria Cecília. Poesia presenteada é indício de amor. Recebi carinho em forma de livros e discos. Mas nem sempre lembro disso. Ando tão desorientada em relação aos meus tesouros de papel e timbres. A culpa é por ainda não ter me debruçado em Lobo da Estepe e por ter lutado em vão com as Vinhas da Ira. Deve ser culpa daquele “Conselhos para um Jornalista” do Voltaire. Agora estou me encontrando com o bom Poe. Com ele não falho. Sabe, eu faria tudo por um dia sem me importar com erros de português, nem com livros não lidos e discos não compreendidos. Apenas me deixe sentir saudades, querer notícias suas. Meus bons amigos.