quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Interrogação

Olhos expressivos, poses compostas, detalhes visíveis, traços modestos, porém, marcantes. Pode ser um grão de areia ou uma folha seca de outono repousando no chão. Seus improvisos são acompanhados pelo seu incauto e pela sua enorme distração. Mesmo sendo uma incógnita adora achar respostas. Seu fascínio pelo escondido e pelo irreal têm a função de uma ponte. Esta que a conduz para o seu encanto pela aquarela de uma quimera, pincelada por mitos e deuses que a assanhavam quando criança - que volte e meia vêm para um chá. Uma meiguice enjoativa remando na pureza de um rio poluído. Sua existência pode ter sido um pecado prazeroso, sem gozo.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Diálogo avesso

- Você tem que entender que eu não sou eterna.

- Eu sei, mamãe. Lutar pela sua eternidade, ou pelo “para sempre” das coisas, é uma guerra que eu nunca quis para mim. Prefiro uma realidade triste, que a tolice de uma esperança falsa.

domingo, 20 de setembro de 2009

Duas versões sem versos

I


Você tem a alma de um passarinho e eu falo com gatos. Eu sonho contigo, sonho que acordo do seu lado. No sonho, você me olha com ternura e diz “o que foi?”. Então eu acordo e você não está aqui. Mas você já ouviu essa história, atenta. Esperei uma resposta, mas seus lábios não disseram nada. Você baixou os olhos, ficou olhando para a xícara e depois rio um riso abafado. Queria poder te ver todos os dias, ter coisas interessantes para te dizer. Ao menos eu te faço sorrir. Fico imaginando mil e uma formas de chegar em você, mas me falta coragem.


Queria não ser tão covarde.


II


Se a morada da alma é o peito, então o meu peito tem como inquilina a alma de um pássaro. É, eu tenho no peito a alma de um pássaro e você fala com gatos. Se a alma morar no coração, a minha estará ao relento, pois dúzias de sonhos tomam meu coração por inteiro. Por isso, não queira ficar, guarde esse amor e não prenda a minha alma de passarinho. Eu só quero o seu café. Ouvir suas histórias e reparar no desenho da sua boca. Ficar horas sentada diante de ti, procurando a ilusão que mora no fundo de cada xícara vazia, e nada mais.


Queria não ser tão covarde.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Entre chuteiras e bengalas

A posição de ter que torcer por algum time foi mais uma das quais anulei na infância. Tal opção perdura até hoje e creio que assim continuará - e os motivos não cabem aqui. O Brasil é o país do futebol e dos times idosos: hoje, dia 16 de setembro, o Grêmio faz 106 anos; no dia 12 de outubro, o Coritiba irá comemorar o seu centenário. Vale postar essa matéria que fiz para os 95 anos do Palmeiras, comemorados em agosto desse ano. Aqui ficam os meus parabéns, aos senhores de bengalas.



Posso perder minha mulher minha mãe desde que eu tenha o meu

PALMEIRAS!


Quando Arnaldo Batista, Sérgio Dias e Rita Lee escreveram e musicaram os versos de “Posso Perder Minha Mulher, Minha Mãe, Desde Que Eu Tenha o Meu Rock And Roll”, certamente não imaginaram que a frase viria a calhar no meio de uma entrevista sobre times de futebol e, ainda, que o Rock and Roll em questão daria lugar para o Palmeiras. Tal adaptação pode parecer sandice, ou até mesmo injuria para alguns. Mas assim como existem aqueles apaixonados por música, há aqueles apaixonados por literatura, dança, teatro, cinema e futebol – nada fora do comum, ainda mais quando se vive num país intitulado como sendo “o país do futebol”. É a pluralidade cultural que bate a porta; aceitá-la e convidá-la para entrar é fundamental para viver em harmonia: voála, eis a receita para viver em sociedade.


Por trás dos óculos e do ar sério está um jovem “apaixonado pelo Palmeiras”, como ele próprio se define. Vinicius Augusto Muceno é apenas mais um entre tantos jovens brasileiros que trazem no peito a paixão por algum time de futebol desde a infância. Ele, que tem 24 anos, torce pelo Palmeiras desde 1992: “quando eu tinha sete anos, passei a torcer pelo time ao assistir uma partida contra o Vitória”, conta. Mas foi no ano seguinte que a paixão começou. “Em 1993 o Palmeiras conquistou pela segunda vez o Campeonato Paulista e, também, o Brasileirão, com jogadores como Edmundo, Edílson, Evair, Zinho e Vanderlei Luxemburgo como técnico”, justifica Vinicius, todo orgulhoso.


Por que o Palmeiras?


“A principal característica do Palmeiras é a raça, pois ele é um time que não se entrega fácil”. É por essas e outras que Vinicius escolheu o time paulistano para torcer. E quando indagado sobre o motivo de não optar por um time paranaense, Vinicius tem a resposta na ponta da língua: “na época em que comecei a torcer pelo Palmeiras, ali na década de 90, os times de expressão que existiam no cenário nacional eram os dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo”, explica o torcedor paciente, para a quase-jornalista-totalmente-desentendida-de-futebol.


Nessas quase duas décadas em que torce pelo time, Vinicius destaca a semifinal da Copa Libertadores da América de 1999, como sendo a partida mais emocionante do Palmeiras. “O Palmeiras jogou contra o Corinthians, a partida foi para os pênaltis e o ‘santo’ Marcos pegou o pênalti do Marcelinho Carioca”, salienta eufórico. Na ocasião, com o placar final de 4x2, o Palmeiras se classificou para a final contra o Deportivo Cali, no qual foi Campeão da Libertadores daquele ano. “Jogar contra o Corinthians dá à partida um clima tenso. Mas vencer dele tem sempre um gosto especial”, satiriza o fiel torcedor.


O rapaz sério e um tanto tímido do início da entrevista, deu lugar a um Vinicius desbocado e sorridente, que em poucos minutos teve uma sessão gratuita de nostalgia palmeirense. No entanto, esse sorriso não veio de graça, foram necessários 95 anos de história e uma bagagem repleta de títulos para que ele tomasse o rosto de tantos outros Vinicius espalhados pelo Brasil. “Eu alugaria a minha mãe para assistir uma partida do Palmeiras”, risos.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Cartola, o mundo é um moinho

"A sorrir eu pretendo levar a vida, pois chorando eu vi mocidade perdida."

A vida clama pelos versos do Cartola:



Corra e olhe o céu
Composição: Cartola / Dalmo Casteli

Linda!
Te sinto mais bela
E fico na espera
Me sinto tão só
Mas!
O tempo que passa
Em dor maior
Bem maior...

Linda!
No que se apresenta
O triste se ausenta
Fez-se a alegria
Corra e olhe o céu
Que o sol vem trazer
Bom dia
Aaai!
Corra e olhe o céu
Que o sol vem trazer
Bom dia...

Linda!
Te sinto mais bela
Te fico na espera
Me sinto tão só
Mas!
O tempo que passa
Em dor maior
Bem maior...

Linda!
No que se apresenta
O triste se ausenta
Fez-se a alegria
Corra e olhe o céu
Que o sol vem trazer
Bom dia
Aaai!
Corra e olhe o céu
Que o sol vem trazer
Bom dia...

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Romeus e Julietas

“E eu sei que o amor é uma coisa boa”, já dizia Belchior. Se Elis concordou e cantou essa frase incontáveis vezes, eu que não vou discordar. Apenas lembro que o amor também é uma tragédia. E convenhamos, tragédias amorosas existem a pencas e nos mais variados gêneros. As terminadas em suicídio acontecem desde que Shakespeare deu vida a Romeu e Julieta, lá no século XVI. Ou, desde que incrementaram os juramentos das cerimônias de casamento com a fatídica indagação: "Promete ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-lhe e respeitando-lhe até que a morte os separe?". Ah ta, você não acredita que esse sermão surreal seja levado a sério? Pois acredite, vou contar duas histórias para você.


Tenho em mãos uma foto de um casal que tirou de letra o juramento-de-pé-de-altar. No retrato em preto e branco, retirado de um jornal, ambos beiram os 40 anos. Ela estampa um sorriso largo. Ele, um riso contido e um olhar sonhador, camuflado atrás de um par de lentes redondas.

O casamento do maestro britânico Edward Downes e da produtora de tevê, Joan, durou 54 anos (voála). Edward com seus 85 anos, nas costas arcadas, não conseguiria viver sem Joan, que, beirando os 74 anos, tinha um câncer terminal no fígado e no pâncreas. Nas mãos ela trazia uma receita com os dizeres: você tem poucas semanas de vida. Após se envenenarem, os dois morreram de mãos dadas.


Agora, imagine passar anos lutando contra uma doença que não é sua? E que tal encontrar inspiração para escrever um livro em homenagem àquela que motivou essa luta? Foi exatamente isso que o escritor austríaco André Gorz fez. Antes de cometer suicídio junto com a esposa, André escreveu "Carta a D. - História de um amor". O livro, como o próprio título sugere, é uma homenagem a Dorine, a companheira com quem André partilhou a vida por quase 60 anos.

Dorine foi vítima de um erro médico que ocasionou uma doença degenerativa. O casal vivia em retiro na tentativa de amenizar os efeitos da doença. O trecho a seguir, muito usado para divulgar o livro na época em que foi publicado no Brasil, salienta bem o amor de André por Dorine, e mostra docemente os traços da doença: "Você está para fazer oitenta e dois anos. Encolheu seis centímetros, não pesa mais do que quarenta e cinco quilos e se mantém bela, graciosa e desejável. Já faz cinqüenta e oito anos que vivemos juntos, e eu te amo mais do que nunca".

Até que, em setembro de 2007, o casal foi encontrado morto – ambos “repousavam”, um ao lado do outro. Nós dissemos com freqüência que, se por um absurdo tivéssemos uma segunda vida, iríamos querer passá-la juntos". E assim foi.


Quando penso nesses dois casais fico oca. Uma brancura infinita toma a minha mente, feito a cegueira leitosa do Saramago. É como se um leque fosse aberto diante de mim, lançando impressões no meu rosto; elas estão na palma da minha mão, mas eu não consigo segura-las, pois elas dançam, se multiplicam feito uma praga e fogem do meu alcance a cada abrir e fechar do leque. A cada uma compete a missão de zombar de mim, ao som de curtas risadas. Opa, delirei.

Delírios a parte, encaremos os fatos: o amor é responsável não por todas as mortes, mas sim pelas mais belas – a morte pode ser bonita. E enquanto houver a morte, haverá o amor, que continuará cometendo constantes homicídios e suicídios. Afinal, quantas vezes você já matou e morreu por amor? Quando se permite amar, todos têm uma alma felina e bem mais que sete vidas. Eis o “amor fati”.