segunda-feira, 1 de abril de 2013

Saludos Amigos: um retrato generalizado da cultura brasileira



O brasileiro ganhou cordialidade e astúcia na representação do cinema americano com o papagaio José Carioca, que apareceu pela primeira vez no filme “Saludos Amigos”, animação produzida pela Disney em 1942. Mas há equívocos na figura do brasileiro apresentada no filme, considerando que a produção limita e generaliza a essência de um país rico em pluralidade cultural e étnica.

Saludos Amigos é um filme bonitinho, engraçado, aparentemente destinado ao público infantil. Nele, Pateta e Pato Donald visitam países como a Bolívia, Chile, Argentina e Brasil. Mas havia um propósito: o mundo estava em guerra e a representação do Brasil, bem como a produção de filmes com temas latino-americanos, era motivada pela “política da boa vizinhança”. Era uma tentativa norte-americana de atrair aliados e reverter a crise econômica que os EUA adquiria em virtude da Segunda Guerra Mundial. De acordo com o professor doutor Antônio Teixeira, que pesquisou o tema, “a intenção era promover, através do cinema, uma aproximação com os países ao sul da fronteira [...]” (2009, 79).

Os quarenta minutos do filme são narrados, na maior parte do tempo, em espanhol. O idioma muda quando o Brasil começa a ser descrito, inclusive a trilha sonora é tipicamente verde-amarela: “Aquarela do Brasil”, cantada por Aloysio de Oliveira e “Tico-tico no fubá”, na voz de Carmem Miranda, conduzem as coloridas cenas.

No entanto, apesar da homenagem, fica evidente a superficialidade midiática empregada ao retratar a cultura brasileira. O ponto de partida é o Carnaval, em que o filme mostra a tradição da festividade, ilustrando a narrativa com imagens de belas mulheres, alegres e adornadas pela caracterização carnavalesca. Ao mesmo tempo em que valoriza o Carnaval, o filme anula e até mesmo impede a transmissão dos valores de outros aspectos culturais do Brasil.

Um exemplo acontece na abordagem da cultura da Argentina através dos costumes gaúchos; em nenhum momento o filme aborda que a região sul do Brasil, inclusive no Uruguai, também há a cultura gaúcha, com traços bastante similares a dos “hermanos” argentinos. Essa falta de aprofundamento ao descrever certas culturas transmite a representação equivocada de outras identidades, inclusive, o “descaso com particularidades dos povos retratados revela a tendência de se valer de generalizações e ideias preconcebidas”, pontua Teixeira (2009, 79).

Personagens e personalidades

O retrato do povo brasileiro está no papagaio Zé Carioca. O personagem é caracterizado com o trejeito do “malandro” que mora no morro, gosta de samba e não dispensa o terno, chapéu e o guarda-chuva. Zé Carioca representa o “jeitinho brasileiro” e o “homem cordial”, termos descritos por Sergio Buarque de Holanda que dão traços a um Brasil, bem como a um Rio de Janeiro, que nas telas do cinema estatudinense aparece como um lugar hospitaleiro, alegre, uma “terra de sensualidade e licenciosidade”, conforme descreve Antônio Teixeira (2009, 79).

Pato Donald, por sua vez, é o típico americano: um turista que se deixa guiar pelo espírito festeiro de Zé Carioca, brasileiro que leva o amigo “gringo” para o samba e para beber – literalmente “encher a cara”. Essa é a visão americana do Brasil, que “representa mais do que qualquer outra nação retratada, a essência da visão que Hollywood tem da América Latina como fonte de puro espetáculo, exuberância rítmica e espontaneidade carnal” (SHAW, apud, TEIXEIRA: 2009, 83).  

O filme termina com as sombras de Pato Donald e Carmem Miranda dançando no Copacabana Palace – o que reforça a visão de “puro espetáculo” e, principalmente, a popularidade da cantora brasileira enquanto ícone feminino da época, cujos traços sombreados são facilmente identificados.

Ao retratar o Brasil através dos simbolismos presentes na figura de Zé Carioca, Saludos Amigos revelou ao mundo mais uma criação de Walt Disney, um americano que sem conhecer a cultura do país estimulou a fatídica generalização – fruto do entusiasmo pela alegria e inconsequência de uma pseudo-identidade brasileira. A intenção de Walt Disney certamente foi a melhor – dizem que ele visitou o Brasil e se encantou pelo país. Mas o papagaio que virou ícone, divulgou para outros países a imagem de um Brasil criado pelos princípios americanos. Sessenta anos depois, ainda tentamos desvincular esse rótulo generalizado – ou não.

REFERÊNCIAS
TEIXEIRA, Antonio João. O cinema hollywoodiano e a representação do “outro”. In: LEANDRO, José Augusto (org). História, arte e cultura: livro II. Ponta Grossa: UEPG/NUTEAD, 2009. Disciplina 2, p.50-97.

Assista Saludos Amigos, aqui:  


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