O brasileiro ganhou cordialidade e astúcia na representação do cinema
americano com o papagaio José Carioca, que apareceu pela primeira vez no filme “Saludos
Amigos”, animação produzida pela Disney em 1942. Mas há equívocos na
figura do brasileiro apresentada no filme, considerando que a produção limita e
generaliza a essência de um país rico em pluralidade cultural e étnica.
Saludos Amigos é um filme bonitinho, engraçado, aparentemente
destinado ao público infantil. Nele, Pateta e Pato Donald visitam países como a
Bolívia, Chile, Argentina e Brasil. Mas havia um propósito: o mundo estava em
guerra e a representação do Brasil, bem como a produção de filmes com temas
latino-americanos, era motivada pela “política da boa vizinhança”. Era uma
tentativa norte-americana de atrair aliados e reverter a crise econômica que os
EUA adquiria em virtude da Segunda Guerra Mundial. De acordo com o professor
doutor Antônio Teixeira, que pesquisou o tema, “a intenção era promover,
através do cinema, uma aproximação com os países ao sul da fronteira [...]” (2009,
79).
Os quarenta minutos do filme são narrados, na maior parte do tempo, em
espanhol. O idioma muda quando o Brasil começa a ser descrito, inclusive a
trilha sonora é tipicamente verde-amarela: “Aquarela do Brasil”, cantada por
Aloysio de Oliveira e “Tico-tico no fubá”, na voz de Carmem Miranda, conduzem
as coloridas cenas.
No entanto, apesar da homenagem, fica evidente a superficialidade
midiática empregada ao retratar a cultura brasileira. O ponto de partida é o
Carnaval, em que o filme mostra a tradição da festividade, ilustrando a
narrativa com imagens de belas mulheres, alegres e adornadas pela
caracterização carnavalesca. Ao mesmo tempo em que valoriza o Carnaval, o filme
anula e até mesmo impede a transmissão dos valores de outros aspectos culturais
do Brasil.
Um exemplo acontece na abordagem da cultura da Argentina através dos
costumes gaúchos; em nenhum momento o filme aborda que a região sul do Brasil,
inclusive no Uruguai, também há a cultura gaúcha, com traços bastante similares
a dos “hermanos” argentinos. Essa falta de aprofundamento ao descrever certas
culturas transmite a representação equivocada de outras identidades, inclusive,
o “descaso com particularidades dos povos retratados revela a tendência de se
valer de generalizações e ideias preconcebidas”, pontua Teixeira (2009, 79).
Personagens e personalidades
O retrato do povo brasileiro está no papagaio Zé Carioca. O personagem
é caracterizado com o trejeito do “malandro” que mora no morro, gosta de samba
e não dispensa o terno, chapéu e o guarda-chuva. Zé Carioca representa o
“jeitinho brasileiro” e o “homem cordial”, termos descritos por Sergio Buarque
de Holanda que dão traços a um Brasil, bem como a um Rio de Janeiro, que nas
telas do cinema estatudinense aparece como um lugar hospitaleiro, alegre, uma
“terra de sensualidade e licenciosidade”, conforme descreve Antônio Teixeira (2009,
79).
Pato Donald, por sua vez, é o típico americano: um turista que se
deixa guiar pelo espírito festeiro de Zé Carioca, brasileiro que leva o amigo
“gringo” para o samba e para beber – literalmente “encher a cara”. Essa é a
visão americana do Brasil, que “representa mais do que qualquer outra nação
retratada, a essência da visão que Hollywood tem da América Latina como fonte
de puro espetáculo, exuberância rítmica e espontaneidade carnal” (SHAW, apud, TEIXEIRA: 2009, 83).
O filme termina com as sombras de Pato Donald e Carmem Miranda
dançando no Copacabana Palace – o que reforça a visão de “puro espetáculo” e,
principalmente, a popularidade da cantora brasileira enquanto ícone feminino da
época, cujos traços sombreados são facilmente identificados.
Ao retratar o Brasil através dos simbolismos presentes na figura de Zé
Carioca, Saludos Amigos revelou ao mundo mais uma criação de Walt Disney, um
americano que sem conhecer a cultura do país estimulou a fatídica generalização
– fruto do entusiasmo pela alegria e inconsequência de uma pseudo-identidade
brasileira. A intenção de Walt
Disney certamente foi a melhor – dizem que ele visitou o Brasil e se encantou
pelo país. Mas o papagaio que virou ícone, divulgou para outros países a imagem
de um Brasil criado pelos princípios americanos. Sessenta anos depois, ainda
tentamos desvincular esse rótulo generalizado – ou não.
REFERÊNCIAS
TEIXEIRA, Antonio João. O cinema hollywoodiano e a representação do
“outro”. In: LEANDRO, José Augusto (org). História, arte e cultura: livro II.
Ponta Grossa: UEPG/NUTEAD, 2009. Disciplina 2, p.50-97.
Assista Saludos Amigos, aqui:
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