domingo, 14 de abril de 2013

Contradições de mim versus o medo de Kant



Um, dois, três, quatro. A contagem avançou, chegou ao vinte e três. Tenho vinte e três anos e a sensação de trazer nos ombros o peso agridoce de uma vida sessentista.  Logo, soa bastante contraditório não saber de onde vem o medo que emudece a minha força. Sou fraca, ainda. Esqueci o aprendizado da menina que conheceu a dor da perda aos sete anos. De lá para cá, vi muito mais do que deveria, é verdade. Li o que pude, menos do que gostaria. Mas os livros não me ensinaram a vencer o mundo lá fora. Tampouco o medo.

E nesse porto que define a vida, experiências e pessoas vêm e vão. Somente os outros partiram, eu permaneci no mesmo horizonte. Ainda vivo na cidade em que nasci. Não fui estudar numa capital, me formei aqui mesmo. Não possuo um diário de bordo dos lugares que conheço dos filmes. Tremo ao atravessar ruas muito movimentadas. É, tenho a síndrome do interior – leia “interioR”, com érre meio puxado, pois aqui também se fala “leitê quentê”. Mas, ainda assim – limitada pelas ruas de uma única cidade, pelos mesmos rostos, pelos mesmos sons – me sinto uma viajante do mundo.

A síntese é que aqui – na cidade com nome de ave de penas alvas – presenciei a plenitude e o caos do meu eu. Afinal, o caos é o prelúdio da plenitude – esta que, assim como a maresia, costuma imperar depois da desordem. Não vejo como fuga do ideal optar por viver a vida inteira no mesmo lugar. Talvez jamais terei um par de chaves em uma cidade com mais de 500 mil habitantes. Mas que culpa tenho eu, se sinto medo do mundo que penso conhecer? Se em boa parte do tempo sou feliz aqui, onde vejo o pôr-do-sol mais lindo do mundo? Conheço o mundo, sim, embora pouco saí de uma cidade que nem cinema possui. Eis mais uma contradição. Explico: É especialidade dos livros, descrever mundos.

Mas isso pouco importa. Conhecimento acumulado não tem utilidade se desconheço o ser que habita a minha consciência. Kant me entenderia: “Do ponto de vista do medo, ninguém é forte o suficiente”. Vai ver ele também temia as pessoas, por isso não saiu da sua cidade natal. Eu, particularmente, temo as pessoas. Falsidade, cegueira, ambição, cegueira. Mas um dia, quem sabe, serei um pássaro. Verei num voo pleno o que daqui, de dentro da minha alma, não consigo perceber. Então não haverá mais medo, só saudade.



Escrito ao som de: Feito pra acabar, Marcelo Jeneci.

 

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