Um, dois, três, quatro. A contagem
avançou, chegou ao vinte e três. Tenho vinte e três anos e a sensação de trazer
nos ombros o peso agridoce de uma vida sessentista. Logo, soa bastante contraditório não saber de
onde vem o medo que emudece a minha força. Sou fraca, ainda. Esqueci o
aprendizado da menina que conheceu a dor da perda aos sete anos. De lá para cá,
vi muito mais do que deveria, é verdade. Li o que pude, menos do que gostaria. Mas
os livros não me ensinaram a vencer o mundo lá fora. Tampouco o medo.
E nesse porto que define a vida,
experiências e pessoas vêm e vão. Somente os outros partiram, eu permaneci no
mesmo horizonte. Ainda vivo na cidade em que nasci. Não fui estudar numa
capital, me formei aqui mesmo. Não possuo um diário de bordo dos lugares que
conheço dos filmes. Tremo ao atravessar ruas muito movimentadas. É, tenho a
síndrome do interior – leia “interioR”, com érre meio puxado, pois aqui também se
fala “leitê quentê”. Mas, ainda assim – limitada pelas ruas de uma única
cidade, pelos mesmos rostos, pelos mesmos sons – me sinto uma viajante do
mundo.
A síntese é que aqui – na cidade
com nome de ave de penas alvas – presenciei a plenitude e o caos do meu eu. Afinal,
o caos é o prelúdio da plenitude – esta que, assim como a maresia, costuma imperar
depois da desordem. Não vejo como fuga do ideal optar por viver a vida inteira
no mesmo lugar. Talvez jamais terei um par de chaves em uma cidade com mais de
500 mil habitantes. Mas que culpa tenho eu, se sinto medo do mundo que penso
conhecer? Se em boa parte do tempo sou feliz aqui, onde vejo o pôr-do-sol mais
lindo do mundo? Conheço o mundo, sim, embora pouco saí de uma cidade que nem
cinema possui. Eis mais uma contradição. Explico: É especialidade dos livros,
descrever mundos.
Mas isso pouco importa.
Conhecimento acumulado não tem utilidade se desconheço o ser que habita a minha
consciência. Kant me entenderia: “Do ponto de vista do medo, ninguém é forte o
suficiente”. Vai ver ele também temia as pessoas, por isso não saiu da sua
cidade natal. Eu, particularmente, temo as pessoas. Falsidade, cegueira,
ambição, cegueira. Mas um dia, quem sabe, serei um pássaro. Verei num voo pleno
o que daqui, de dentro da minha alma, não consigo perceber. Então não haverá
mais medo, só saudade.
Escrito ao som de: Feito pra acabar, Marcelo Jeneci.
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