sábado, 31 de janeiro de 2009

↕ Feliciana, a infeliz

Por Jozieli Wolff e Ketlyn Lourenço:
as cobras.

O fato:

Ela namorava com ele porque o amava; ele namorava somente para ter uma foda fixa. Ela não sabe disso ainda, então, por favor, não comente. Cicatrizes não devem ser mexidas, para que não vaze de dentro delas os gritos que permanecem calados; em forma de líquido corrosivo, lágrimas.


Quem contou? Você? Eu posso ouvir seus gritos! Vou ser breve, prometo:

Feliciana, a infeliz, é uma manteiga derretida, parece viver em uma eterna TPM. Ironia ter um nome que remete felicidade; é tanta tristeza que poderia ser poeta caso soubesse fazer versos.

Nossa triste protagonista sempre teve poucos amigos. Desde a infância, fase em que era uma garotinha acima do peso – eliminemos os eufemismos, Feliciana era obesa – ela sempre esteve longe de ser a bonitinha, que todos cobiçam um pedaço. Naquela época – ela não entendia se por padrão estético ou pelo simples prazer da chacota – seus amigáveis colegas a chamavam de “baleia feliz”; e o ritual se repetia todo santo dia.


Baleia Feliz?

“Feliz”, óbviamente, vinha do FELICIANA que lhe penduraram no pescoço antes mesmo de nascer; “baleia”, para nós que a conhecemos é mais óbvio ainda, mas para você que não a conhece, vamos descrevê-la 15 anos atrás para que nos possa entender: Andar capenga, pernas roliças, óculos – estes com lentes grossas e armações tão grandes que lhe tomavam metade do rosto – e bochechas rosadas, bem salientes.

De olhos fechados vê novamente a cena que presenciou por tantas vezes quando criança: “Baleia feliz, baleia feliz, baleia feliz”, a frase gritada num coro maldito; entre a orquestra sem instrumento estava Antônio. Este, com nome de poeta, era a paixãozinha de Feliciana – aquela que todo mundo tem e que nos assombra por anos durante a infância – e também era o dono do “baleia feliz, baleia feliz, baleia feliz”, mais grave daquela roda, que tinha em seu centro uma gordinha banhada em lágrimas.


Por que choras a noite?

Feliciana, demasiadamente infeliz, 22 anos, jornalista recém formada, desempregada. Disse que está indo viajar, não sabe pra onde. Traz na mão direita uma mala furada; em seu interior há uma infância traumática, um namoro fracassado e uma constante ausência – do pai que perdeu, do avô que não conheceu, do bisavô que dizem ter tido... ausência da lembrança de um homem que lhe estendesse a mão e dissesse, “eu te amo” – em vez de “baleia feliz”.


Outro fato que ela ainda não sabe:

Seu namorado está lhe traindo. Isso ele faz constantemente, mas agora está fazendo com uma loira gostosa, e em breve mandará Feliciana à merda. Mas continuemos com o combinado: por favor, não comentem!

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

A vida calada canta; como a índia, descalça, em cima do rochedo à beira-mar. Tem no canto dos lábios um sorriso, contido, que encanta. Lhe rogo em coro uma prece com pressa: diante de um espelho, meu apelo é pelo seu zelo. Não abandone o peito de quem lhe quer bem. O que fazes já foi feito. Como efeito semeou no mesmo peito um fruto, já mordido. Doce como um beijo, mas que apodrece a cada dentada. Então, meço no vento o tamanho do seu pranto, e canto.

domingo, 25 de janeiro de 2009

“De posse de uma única frase feita, diga quem sou eu. Você é alguma coisa, que não precisa de coisa alguma.”


Faz frio, e não congela só os ossos, mas também o espírito. Os pingos finos de chuva batem na janela; é a tortuosa tentativa de lhe lembrar, sem beijos nos lábios, que você não está sozinho. Enquanto a cidade dorme você está aí, usando apenas uma luva. E me pergunta – como num mantra sussurrado infinitas vezes no cálido lóbulo da minha orelha – o seguinte: “De posse de uma única frase feita, diga quem sou eu?" .

Silêncio. Um tênue odor de café e cigarro invade o lugar. Café e cigarro só perdem o posto de “par perfeito”, para o seu par de luvas caramelo – que deixou de ser um par. Você não se deu conta disso e ainda está aí, dentro dessa quietude que acalma e acalenta. Todos continuam calados e a dormir.

E me pergunta qual foi a última vez que deixou que algo abrasasse as suas mãos. Certamente foi na véspera de perder a sua luva esquerda. Repare, um que era feito de dois, nunca mais é o mesmo quando sozinho.

A quietude é quebrada pelo som que o cigarro emite enquanto queima. Faíscas e cinzas do cigarro embalam a valsa que a lua insiste em não dançar. O café acaba, o cigarro apaga, você ainda não. Você não é feito de faíscas, tampouco de cinzas. Deixemos isso para o cigarro que se desfaz entre os seus longos e finos dedos.

Gargalha! De olhos fechados se vê como um caminhante noturno; que embora estático está indo embora. E em marcha, se distancia cada vez mais das enojadas frases feitas. E enquanto todos sonham, você acorda. E sonha, quando acordado.

Falta pouco para o sol nascer. Nesse instante você se dá conta que é alguma coisa. Alguma coisa sem frases feitas, sem cinzas, nem faíscas. E no mesmo compasso em que o frio lhe abraça e acaricia sua palidez, eu lhe digo meu amigo: “Você é alguma coisa, que não precisa de coisa alguma”.

Mas trate de comprar um novo par de luvas. Suas mãos estão tão frias, e vazias. Mas por favor, mude de cor, nunca gostei de caramelo!


p.s: A versão original deste texto foi postada não lembro quando, nem me esforcei para lembrar. Não que agora esta esteja melhor, mas enfim, meia dúzia de vírgulas não farão falta. É como tecer a própria vida. Cabe aprender a fazer isso com os pontos finais. Reticências jamais!

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Disse-me coisas loisas. Sinceras, escondidas na penumbra da nudez, vestida. Rir de si, e rir de outrem, faz um tanto quanto bem, eu sei; mas adianto que quando em demasia dá fadiga, tardia nostalgia. Oh, que dia! E nada da coisa. Pincele um rosto terno e feliz na minha lousa, e sorria. Que coisa!

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Qual seria o primeiro degrau para embrutecer uma alma? Calma! Dito que a muralha de pedra que lhe inclausura no peito a letargia tem como essência a inconstância. Explico: É a inconstância , constante, de querer escapar de onde se está, na cobiça, mesquinha, de ser o manto do céu que cobre o outro. Somos humanos, desatentos da tamanha sorte que temos em apenas estar. Cegos demais para ver que sempre há um sol se pondo; se não cá, lá.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Meu bem, você deveria saber que a bebida entorpece o corpo mas não cessa toda a dor, e que, principalmente, o som alto não abafa os gritos. Eles estão aí, como aquela cicatriz que lateja em dias de chuva, alojada em você, saliente na sua pele, para sempre. Por isso, não há motivos para se fechar como um leque.

domingo, 4 de janeiro de 2009

↕ O homem sem brasão


"Seu olhar era úmido e doce; emocionado. Imponente e indecifrável."


“Por Deus, nunca me vi tão só”. É o pensamento que me distrai e faz com que as minhas vistas cansadas desviem as linhas do livro que ganha meu colo, e encontrem os nossos portarretratos amarelados, religiosamente enfileirados na estante do canto da sala quase que totalmente escura. Você sempre dizia, “Se não render algum escrito ou uma boa foto, então não foi vivido, foi em vão!”. Acho que era uma busca sua, incessante, pela ânsia de vida; num peito que só tinha cólera. Mas só eu a via assim, talvez por ser como você; talvez.

O dia era fosco e irritante, mas você insistiu, falou uma dúzia de palavras de chantagem, que caíram da sua boca doces, e como era de costume, cedi. Eu sempre fui inclemente, nas coisas e nas pessoas, mas sobre você, em você, eu acreditava. Aquela sua mansuetude misturada com ardor; aquela infinita melancolia dividindo espaço com a sua inquieta e exaustiva explosão de vida e alegria. Mas era o seu olhar, insano, que me envolvia na sua teia.

Depois de passearmos de barco pelo Sena, chegamos ao Louvre. “Monalisa, Monalisa, Monalisa”, dizia enquanto saltitava feito criança. Pena a manhã estar nublada, o sol daria a seu cabelo aquele tom dourado que iluminava seu rosto e a deixava mais linda. Mas antes de entrar no museu e começar o espetáculo que iria ser, e foi, ver os seus olhos brilhando e suas mãos soando de emoção ao se deparar com artefatos do Egito e com obras-primas dos seus heróis, deveríamos cumprir seu ritual e fazer pose para mais uma foto.

Você com aquele seu jeito desbocado e ar de mulher culta, ganhava qualquer um; e isso sempre me matou de ciúmes. E não foi diferente; um asiático de mãos dadas com uma branquela de olhos azuis, após algumas instruções sobre como funcionava a câmera, tirou a foto para nós. A pirâmide de vidro ao fundo - foto clichê de qualquer turista que vá a Paris - nós dois abraçados, o que era algo desproporcional, pois mesmo de salto alto o máximo que você atingia eram os meus ombros; você, radiante, com 29 anos e eu, desengonçado, um pouco a frente na idade, estávamos em nossa lua de mel. Na foto, esta que seguro entre as mãos, seu olhar era úmido e doce; emocionado. Imponente e indecifrável.

Nunca achei que fossemos envelhecer juntos. E o quanto tudo mudou. A casa antes agitada se tornou escura e os móveis empoeirados. O quintal há tempos não é cuidado, e as árvores que nele habitam estão velhas, secas e com as raízes quase que sem vida, como eu. O azul esverdeado da fachada da casa, há tempos não possui cor alguma.

Nossos livros, os velhos e antigos livros, enfeitam a estante junto com nossos vinis, mas já esqueceram o que é ser apreciados por alguém. Meu bem, perdão, eu perdi a agulha da sua vitrola e ainda não mandei arrumar. Sei que preciso cuidar das nossas coisas, cuidar de mim, mas acho que não irei fazer nenhuma nem outra. Mais uma vez, perdão.

Embora eu já tenha esquecido de muita coisa, não é só nos álbuns de fotografias que a nossa história está eternizada; ela permanece inteira na minha memória. E se eu fechar os olhos consigo ver aquele “seu olhar úmido e doce; imponente e indecifrável”.

Nos últimos anos suas mãos estavam tão cansadas. Seu rosto flácido e os cabelos que antes eram volumosos e escandalosos, não passavam da altura do ombro, e perderam a cor. Porém, você continuava linda!

Quando fecho os olhos a noite, esperando que a morte venha me buscar, sinto um leve peso sobre mim. Nesses instantes tenho a impressão de que você está ali, dormindo em meu peito sobre meus pêlos enquanto eu, com zelo, lhe protejo. Parece que a qualquer instante você vai me chacoalhar e dizer, “Hora de acordar!”. Sentará na cama com as costas nuas, colocará o chinelo e andará pelo quarto enquanto seu cabelo dividido ao meio cobre seus seios, “Hora de acordar, já disse!”. E então eu balbucio baixinho, “Volta pra cama.” Mas você não vem. E agora a casa está vazia, mas o teu cheiro continua aqui.






Vamos (eu e eu mesma) esclarecer uma coisa


- A pirâmide do Louvre começou a ser construída na década de 80, se não me engano (confira no google essa informação porque um engano meu é algo quando muito possível). Sendo assim, um casal como o descrito a cima, com uns 60 ou mais anos nas costas, pela lógica, em visita de lua de mel ao Louvre, não teriam nenhuma foto da pirâmide, pois está nem existia nas décadas de 40, 50. Então imaginem que isso tudo é uma projeção do futuro de um futuro casal (adoro redundâncias, acho uma graça). Ou imaginem o que quiserem. Ou não imaginem nada (afinal, para alguns pensar cansa). Ou leiam o texto anterior, ou feche isso e leia um livro do Machado, que é bem melhor (beeeeeem melhor).

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009