domingo, 25 de janeiro de 2009

“De posse de uma única frase feita, diga quem sou eu. Você é alguma coisa, que não precisa de coisa alguma.”


Faz frio, e não congela só os ossos, mas também o espírito. Os pingos finos de chuva batem na janela; é a tortuosa tentativa de lhe lembrar, sem beijos nos lábios, que você não está sozinho. Enquanto a cidade dorme você está aí, usando apenas uma luva. E me pergunta – como num mantra sussurrado infinitas vezes no cálido lóbulo da minha orelha – o seguinte: “De posse de uma única frase feita, diga quem sou eu?" .

Silêncio. Um tênue odor de café e cigarro invade o lugar. Café e cigarro só perdem o posto de “par perfeito”, para o seu par de luvas caramelo – que deixou de ser um par. Você não se deu conta disso e ainda está aí, dentro dessa quietude que acalma e acalenta. Todos continuam calados e a dormir.

E me pergunta qual foi a última vez que deixou que algo abrasasse as suas mãos. Certamente foi na véspera de perder a sua luva esquerda. Repare, um que era feito de dois, nunca mais é o mesmo quando sozinho.

A quietude é quebrada pelo som que o cigarro emite enquanto queima. Faíscas e cinzas do cigarro embalam a valsa que a lua insiste em não dançar. O café acaba, o cigarro apaga, você ainda não. Você não é feito de faíscas, tampouco de cinzas. Deixemos isso para o cigarro que se desfaz entre os seus longos e finos dedos.

Gargalha! De olhos fechados se vê como um caminhante noturno; que embora estático está indo embora. E em marcha, se distancia cada vez mais das enojadas frases feitas. E enquanto todos sonham, você acorda. E sonha, quando acordado.

Falta pouco para o sol nascer. Nesse instante você se dá conta que é alguma coisa. Alguma coisa sem frases feitas, sem cinzas, nem faíscas. E no mesmo compasso em que o frio lhe abraça e acaricia sua palidez, eu lhe digo meu amigo: “Você é alguma coisa, que não precisa de coisa alguma”.

Mas trate de comprar um novo par de luvas. Suas mãos estão tão frias, e vazias. Mas por favor, mude de cor, nunca gostei de caramelo!


p.s: A versão original deste texto foi postada não lembro quando, nem me esforcei para lembrar. Não que agora esta esteja melhor, mas enfim, meia dúzia de vírgulas não farão falta. É como tecer a própria vida. Cabe aprender a fazer isso com os pontos finais. Reticências jamais!

5 comentários:

Júlia Manacorda disse...

Luvas caramelo são um charme, mas as pretas... Essas me lembram Eva Green em "Os Sonhadores".
Esse seu post também me lembrou "Waking Life" do Linklater,
controlar sonhos, voar em sonhos, ligar e desligar a luz.
Pois é, muitos são frases feitas.
Mas nós somos frases abertas às reticências, não?
Ah! Já estou sentindo o cheirinho de café.

ps: Menina, mas essa Maria é muito burrina ou se faz de sonsa. Mulher insistente. Eu prefiro Joana.

giancarlo rufatto disse...

"Porque toda desgraça merece um brinde."

hahahhahahah, cade a sutileza, mulher?

Jozieli disse...

Nunca fui sutil, homem. Você sabe.

giancarlo rufatto disse...

pare de andar com tias solteironas e italianas.

Jozieli disse...

hahahahahaha, eu te adoro! E minto muito bem.