Encontrei no meio da estante empoeirada aquele livro do Camões que você
me deu. Não era meu aniversário nem nada, mas você lembrou que eu gostava;
do mesmo jeito singelo que roubou de um sebo aquele livro com
reportagens da Folha de São Paulo da década de 70. Aceitei o mimo sem
remorso – sim, fui cúmplice do furto com cheiro de mofo. Também achei
aquele cd do The Doors que você me trouxe de aniversário,
toda cheia de pompas porque o disco já era seu, estava meio riscado e
veio sem papel de presente. Mas era o seu disco preferido, com a voz
aveludada do Morrison, a mesma dos meus 17 anos. Gostei tanto. Graças a
você, Kerouac e Bukowski vieram juntos, numa bofetada só. Foi de
aniversário? Sempre você, com seus presentes sensoriais, viscerais. E
eu, ainda tão inocente. Então, sem esforço, me encantei pela garota mais
linda da cidade; mas não aguentei o peso da mochila dos vagabundos
iluminados. Foi mais tarde que li Tristessa. Então compreendi: você
queria me libertar. Por querer me dar coragem e ousadia, me deu “1001
maravilhas naturais para ver antes de morrer”. Disse que era para eu
escolher um desses lugares emoldurados para irmos justos. Quando me
formei, você me entregou um Roberto Bolaño. As vezes desvio as palavras,
da mesma forma em que desvio seus olhos. Aliás, sinto falta dos seus
“olhos de cristal sem névoa”, como diria Cecília. Poesia presenteada é
indício de amor. Recebi carinho em forma de livros e discos. Mas nem
sempre lembro disso. Ando tão desorientada em relação aos meus tesouros
de papel e timbres. A culpa é por ainda não ter me debruçado em Lobo da
Estepe e por ter lutado em vão com as Vinhas da Ira. Deve ser culpa
daquele “Conselhos para um Jornalista” do Voltaire. Agora estou me
encontrando com o bom Poe. Com ele não falho. Sabe, eu faria tudo por um
dia sem me importar com erros de português, nem com livros não lidos e
discos não compreendidos. Apenas me deixe sentir saudades, querer
notícias suas. Meus bons amigos.
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