Enquanto delineava os lábios há pouco, me peguei pedindo a
Deus que as coisas continuem caminhando assim, de um jeito leve. “Afinal,
deuzinho, foi tão difícil lá atrás”. Me vi pequena, tendo que assimilar tanta
“coisa de gente grande”. Então pensei no menino de dois meses que sobreviveu
milagrosamente a um grave acidente que vitimou seus pais numa rodovia de Santa
Catarina. Seu rosto esteve em capas de jornais e foi Deus quem mais apareceu
nas notícias. Imaginei esse menino crescendo, ouvindo a dolorosa história
daquele dia, se vendo nos jornais amarelados. Rezei para que ele se torne uma
criança alegre e, sobretudo, um homem bom. Nesse momento, tive uma lembrança
curiosa da minha infância. Em meados de 1996 (deveria ser isso) eu adorava
estragar formigueiros, só pelo prazer de ver os pontinhos pretos correrem entre
os brancos, de um lado para outro, sem rumo. Depois do delito, saia em
disparada para casa, perdendo o fôlego e com ar de tristeza. Foi assim que
descobri o peso da culpa e do erro aos cinco anos – essa luta quase darwiniana
me fez decidir que aquilo não combinava com o meu eu, então ficou na menina
alourada. Dou um salto e penso na Clare, personagem do livro que leio com medo
de chegar no final, e meu peito aperta.
Lembro da minha mãe, do amor incondicional e da sabedoria que forma seus
traços. Quero um dia ser assim como ela, pode ser, Deus? Ainda ali, diante do
espelho, reafirmei que o amor entre homem e mulher não é complicado e tampouco
um bicho-de-sete-cabeças como pintam por ai, pelo contrário, ele é sereno e
macio – e é todo meu. Quero envelhecer do seu lado. De repente a porta do
quarto abre e sinto a sensação de ter sido pega em flagrante.
- Hey, já escolheu aonde vamos jantar?
- Ah, não, me distrai um pouco.
09 jun 2012
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