Envelhecer. Chegar nessa etapa da
vida sem muitas limitações físicas e com a mente ainda agarrada nas lembranças.
Esse retrato com cores fortes, alegres, de céu azulado, também pode vir com a
plenitude encontrada no interior de uma casinha no meio do nada, sem telefone,
sem TV ou som de ambulância. Posso sentir o frescor da aurora nesse lugar. A grama
molhada pelo orvalho gelado e acolhedor. O pássaro bicando a terra ainda úmida pela geada fina da noite anterior. Como eu seria feliz se pudesse me despedir do
horizonte num lugar assim. Então saberia, prestes a dar o último passo, que
tudo valeu a pena, que o medo saiu derrotado e que o amor me fez triunfar pelos
anos. Só o amor sabe conduzir despedidas com sabedoria, mesmo que elas sejam inconvenientes
pela dor do adeus não dito. Talvez eu estarei sozinha, parada diante da porta,
mirando o pássaro de bico gelado. Nesse instante, ela pode vir de subido, me
levar tão rápido que deixarei o livro cair no chão. Ou, ainda, pode ser que ela
me surpreenda durante o sono. Mas, quem sabe, você e eu ainda estejamos juntos,
os dois grisalhos, com as hastes dos óculos contornando as rugas. Poderemos estar
na varanda, conversando em pleno silêncio. Então ela virá, cautelosa, sem
desfazer o nó das nossas mãos unidas. O outro lado ainda é reticências. Aqui,
no hoje, enquanto a morte ainda é devaneio certo, o principal desejo que
carrego comigo não está na ambição material. Terei sorte e alegria se alcançar
a dádiva de envelhecer.
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