sexta-feira, 17 de maio de 2013

Envelhecer



Envelhecer. Chegar nessa etapa da vida sem muitas limitações físicas e com a mente ainda agarrada nas lembranças. Esse retrato com cores fortes, alegres, de céu azulado, também pode vir com a plenitude encontrada no interior de uma casinha no meio do nada, sem telefone, sem TV ou som de ambulância. Posso sentir o frescor da aurora nesse lugar. A grama molhada pelo orvalho gelado e acolhedor. O pássaro bicando a terra ainda úmida pela geada fina da noite anterior. Como eu seria feliz se pudesse me despedir do horizonte num lugar assim. Então saberia, prestes a dar o último passo, que tudo valeu a pena, que o medo saiu derrotado e que o amor me fez triunfar pelos anos. Só o amor sabe conduzir despedidas com sabedoria, mesmo que elas sejam inconvenientes pela dor do adeus não dito. Talvez eu estarei sozinha, parada diante da porta, mirando o pássaro de bico gelado. Nesse instante, ela pode vir de subido, me levar tão rápido que deixarei o livro cair no chão. Ou, ainda, pode ser que ela me surpreenda durante o sono. Mas, quem sabe, você e eu ainda estejamos juntos, os dois grisalhos, com as hastes dos óculos contornando as rugas. Poderemos estar na varanda, conversando em pleno silêncio. Então ela virá, cautelosa, sem desfazer o nó das nossas mãos unidas. O outro lado ainda é reticências. Aqui, no hoje, enquanto a morte ainda é devaneio certo, o principal desejo que carrego comigo não está na ambição material. Terei sorte e alegria se alcançar a dádiva de envelhecer.  

Nenhum comentário: