Eu quero lembrar da última vez em que senti um beijo com júbilo, sem sentir na boca o gosto da piedade. Lembrar da brisa e do sol morno sobre mim. Lembrar da vela que flamejou a sua última chama até apagar. Lembrar do ramo de orquídeas que murchou até secar. Então o júbilo vem súbito, mas se arma lento. Eu estou aqui inerte esperando o tempo passar, enquanto ouço a minha respiração. No céu, uma nuvem se divide e se faz duas. Dois rostos que se encontraram, se beijaram e se deixaram. Em seguida, do mesmo céu caem finas gotas de chuva – afinal, lágrimas são inevitáveis. Agora fecho os meus olhos e vejo diante de mim peça por peça, um segundo a mais, um segundo a menos. Há também algumas vozes dispersas, e o som dos ponteiros marchando no pulso de alguém bem próximo. Agora o relógio parece cessar. Ah, quem dera se o relógio parado pudesse fazer o tempo parar! Mas este não pára, tampouco volta atrás. O tempo te olha, ri e continua a correr devagar. E enquanto o tempo corre e gargalha diante de mim, eu continuo aqui tentando lembrar, mas já esqueci.