domingo, 14 de dezembro de 2008

↕ Aurora

Quantos homens já acordaram pela manhã após ter dormido ao lado “da mulher mais linda do mundo”?

Ela acende uma vela e coloca na janela. Apaga a luz, deita no lugar destinado a ela na cama. O quarto agora está quase escuro, quase. Umbigos nus mirando a lâmpada apagada; a conversa é vaga, digna daquelas feitas pra passar o tempo ínfimo de quem já viu o tempo passar e agora apenas espera. O teto tem seus traços medidos por palmos que insistem em não se desgrudar. As mãos entrelaçadas é um indicio de que o tratado vai começar. “Um contato abstrato de um contrato iniciado”.

Sem muitas delongas decidiram por bem iniciar o ritual. Nada muito novo para ele. Seus lençóis ensebados possuíam as mais diversas fragrâncias agridoces, que repousavam ali duas, nunca mais do que três horas. Depois de se embriagar de salivas alheias, ele entrava numa melancolia sem sentido. Ficava com os olhos vibrados no par de ponteiros do relógio, agonizante, esperando o momento de levar para casa o corpo coberto de nimbo que do seu lado estava em letargia. Só depois que estivesse sozinho na cama poderia, enfim, cessar com a dança das pálpebras, fechar os olhos e dormir. Para ele o dia nunca amanheceu com o outro lado da cama ocupado. Nunca, até aquela noite, havia compartilhado seu sono com uma mulher.

“Eu quero o peso desse fardo. Que ele se torne insustentável. Que me esmague e me prenda contra o chão, como quando o seu corpo está sobre o meu. Que ele me faça encontrar a terra úmida. Só na terra, só nela, cobertos por ela é que encontramos a essência da vida. Pó, poeira. Sem o seu fardo estarei livre, leve, eu sei. Serei leve como uma coisa qualquer, como uma poeira. Uma poeira que voa, voa, à toa. Serei uma poeira de movimentos tão livres, insignificantes”.

Dividir o sono ao lado de alguém para ele era mais comprometedor do que sexo. O roçar dos corpos. Laços entre braços, beijos trocados, línguas, umbigos unidos, caricias, malicias, porra. Ficar nu diante de alguém, pêlos pubianos dividindo o mesmo espaço dos de outrem. Tudo isso era fetiche, o gozo vinha azedo, com blasé, e isso o adocicava. Coito concluído, dormir ao lado de uma mulher era assinar um contrato. Uma sentença, morte na certa.

Ele dormiu ao som daquelas palavras. Pela manhã, ao acordar, tinha na boca seca o leve gosto de um beijo. Olhou para o lado, não havia ninguém. “Boca suja petulante, mentirosa!”, pensou. Na janela havia restos de cera da vela que havia sido acesa na noite anterior. Ele ainda não sabe, mas daqui cinco noites vai começar a acordar ao lado “da mulher mais linda do mundo”. E ele ainda estará vivo. Só agora ele estava vivo; e a aurora anunciava calada que o sol ia nascer.

5 comentários:

Danilo Corrêa disse...

gostei muito do seu blog da uma passada la no meu tbm
http://danilofutebol.blogspot.com/

Myller Bentão disse...

daew brigado pela visita e pelo comentario.
acho que criticas são sempre bem vindas afim de melhorar o que agente encontra neste vasto mundo da internet.
o que escrevo é bem diferente de ti, tenho uma ideologia diferente, porque como vc disse ainda existe pessoas que acreditam no verdadeiro amor, e essas são eternas crianças que fazem de palavras faceis seu refugio para um sentimento. eu leio drummond, cecilia meireles, clarice lispector, fernando pessoa, dentre outros, mas cada um tem seu estilo e encantam por escrever as tolices de seus pensamentos...

Vlw brother, volte sempre e agradeço muito esta e todas as proximas sugestoes.

parabens pelo blog, seu estilo é muitu bom....

Júlia Manacorda disse...

Linspector, que poder é esse
de abobar as pessoas?
Gosto dessa gradação de palavras,
elas acabam nos envolvendo, tornando-se nossas senhoras.

Um querido amigo diz palavras são pequeninas almas, que livros são uma amálgama de almas. Imagino, então, que muitas almas se encontram por aí. Acho que por isso acabo sempre me assustando aqui, porque encontro um pedacinho
de minha criança.

Ah! Veja o filme, sim. Mas não sozinha.

Entro de férias quinta! U-HU!

Vou lá te dar um oi no seu orkut.

Inté, obrigadinha

Ivan disse...

dúvida: vcs está lendo, ou vc AMA a insustentavel leveza do ser?

Ivan disse...

Gostei de voce ter gostado de lá =]


"E vi que o senhor virou meu seguidor, O QUE O LEVOU A ISSO?"
Nossa, que frase IBGE...

Virei seu seguidor por achar teus textos bons. Voce escreve de forma adulta.

Pra mim é raro ver um blog "não-grande" com posts legais. Quando vejo, tenho que seguir.

Tambem te digo para voltar sempre. Eu e meu amigo sempre escrevemos algumas bobagens novas toda semana. Aparece lá ;)