Na ferroviária de uma cidade qualquer que não esta, a garota de braços cruzados espera um trem para qualquer lugar. A hora pouco importa ou o fato de estar ali há meia hora; por escolha própria foi para a estação bem antes do horário. Dor no peito, garganta seca, uma mistura de falta e vazio. Nada muito importante. Uma sensação aqui, ali, um vento morno passeia – daqueles típicos de novembro e de cidade pequena – e apenas impede que ela se dê conta que cerca de dezessete lágrimas já passaram pelo seu rosto e agora se encontram perfeitamente acomodadas sobre o queixo magrelo. Por enquanto é só.
Homem, terno azul, livros e mala de mão preta. Sete passos e meio atrás da garota do primeiro parágrafo e, assim como ela, também há algumas lágrimas cuidadosamente escondidas atrás das lentes fumes do seu óculos escuro - safra 67. Na verdade todo mundo naquele terminal havia resolvido que chorar era uma boa. As pessoas chegavam, soltavam suas malas, puxavam o lenço e aumentavam coro, a lamuria, a enchente. Então as lágrimas simplesmente deram cria. Enfim, Homem, terno azul, livros e mala de mão preta, agora parece distraído com qualquer coisa. Mentira, ele apenas está tentando desviar os olhos da garota.
Um punhado de terra úmida, pá velha, um caixão – caixa de madeira barata. Aquele som de terra seca sendo remexida ficará gravado na memória do Homem; e serão constantes as vezes que retornarão para o tic-tac das próximas noites, não mais que isso.
É ritual de passagem que haja vela iluminando sua face. Percebe-se o movimento sutil dos seus dedos longos criando notas na mesa que virou um teclado de piano – ela deveria saber que ele faz isso quando está distraído. Ela fala, ele olha vibrado a sua boca e, por isso, não está prestando atenção em suas palavras, mas finge bem o bastante – enquanto corre os olhos pelo seu decote.
O salto fino desliza sobre os paralelepípedos tortos da rua. De cabeça baixa carregando uma mala vermelha ela chega à estação. Veio o caminho todo repetindo baixinho, "Não diz mais nada, não diz mais nada". Enquanto conversavam, ela viu em seus olhos o que mais temia: ele nunca a amaria. Então ela teve que ir embora, mesmo querendo ficar.
Tome nota: soluços, dor no peito, choro. O choro é abafado, as lágrimas se misturaram com os finos pingos de chuva que começaram a cair. Água.
Na ferroviária de uma cidade qualquer que não esta, há um Homem, terno azul, segurando na mão esquerda uma mala e na direita o livro de contos de Bukowski “A garota mais linda da cidade”. Sete passos e meio atrás da garota do primeiro parágrafo e, assim como ela, também há algumas lágrimas cuidadosamente escondidas atrás das lentes fumes do seu óculos escuro. As pessoas na rua olham, ignoram a cena – não seria este o primeiro casal a brigar neste mundo e com certeza não seria o último. Ninguém sabe ainda, mas seus bilhetes são respectivamente 19 e 20 – janela a esquerda e eles deverão descer na mesma estação. O que acontecerá depois disso pouco importa, lembre-se apenas de que o fim é sempre igual: soluços, dor no peito, choro.
8 comentários:
Embora não em sentido literal, a sensação é exatamente igual àquela que concerne à palavra-título: vidas esmiuçadas pelo discurso do texto, como que observadas microscopicamente... quem sabe por uma lente fumé :)
Abraço!
Texto adulto, pra mim, é um texto que convence.
Acho que voce defende suas historias sem ser rasa. Nada parece falso, nada parece forçado.
Enfim... até tenho uma mini teoria sobre isso, mas aqui nao é lugar.
(que chato esse Ivan! o cara usa os comentarios pra bater papo =)
médio.
Que bondade-e-e-e.
Esse texto tem um ritmo gostoso,
um descompasso harmonioso, algo que lembra o fim mesmo. E devo roubar as palavras de Odonata, o próprio ritmo faz jus ao título porque ele vai esmiuçando.
Bem, bem, agora irei comer rabanadas.
Inté
adoro pessoas que posam de inteligente para a audiencia.
Por favor, um café, um pãozinho com margarina, e claro, uma desgraça para que possamos brindar. Viva!
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