O azul na base da chama o encanta! É um encantamento que lhe toma por inteiro, intensamente. Não tem nome, mas tem cor; é azul.
Então, com uma leitura ofegante em voz alta, sob a luz flamejante da vela dá por si com os traços do terno rosto alheio; sorrindo nos versos que acaba de recitar.
Céus, como ele deseja essa chama, sua brasa. Repete:
Me abrase.
Me perturbe.
Me abrace.
Como a voz póstuma escarrou em uma canção, “amar é atirar em quem te desarma”. E como o poeta disse outrora, “é ser fiel com quem te mata!”. E agora ele está aí, desarmado e fiel; em decomposição. Como aquela chuva que molha, mas na pele não é sentida. Como aquela música que nunca mais foi ouvida. Tudo não passa de dor consentida. Até que a vela apaga e o azul se dissipa; vira fumaça.
É como o vício que caminha do teu lado em um gingado lento, e você não vê. Afaga, beija, desarma. Feito um velho acuado, pele flácida, mãos encolhidas no par de bolsos do terno amassado; traz no fundo do peito somente carne crua e sabedoria.
Certa vez escrevi sobre um homem que andava por aí com os pés descalços, e que debochava das solas alheias, enclausuradas em veludo barato. Segundo ele, a estrada leva todos para o mesmo fim, sem distinguir o traje dos pés.
Hoje vou escrever sobre aquele velho ali, com as mãos nos bolsos e que não sabe ler. Não lê os sorrisos alheios para não ter que os retribuir. Foge dos rostos, dos cumprimentos; vive desatento perdendo pessoas por não atravessar a rua. Não foi treinado, por isso não sabe imitar o sorriso amarelo na sua frente, muito menos gesticular os lábios murchos e soltar, entre os poucos dentes que ainda possui, o som da hipocrisia.
É esse vício que anda do teu lado, lhe aperta forte o ombro e o faz parar; te afaga, te beija, te desarma e o principal, te salva.
Amanhã escreverei sobre o homem que não sabe ouvir. Outro sortudo! Mas adianto que sobre cegos e surdos, eu prefiro os descalços.