quinta-feira, 16 de julho de 2009

50 anos sem “o fruto estranho”

A cor do jazz é negra.





Há 50 anos morria aquela que cantava amor e fome como ninguém: Billie Holiday. Graças a uma voz inesquecível – que quando ouvida era capaz de tecer emoções e arrancar lágrimas – a negra que na infância passou fome e foi estuprada, abandonou o nome de batismo “Eleanor Fagan Gough”, para se consagrar como a “Lady Day do Jazz”. Dor e fama, essas duas palavras deveriam ter sido gravadas em seu epitáfio naquele 17 de julho de 1959. Billie Holliday morreu às três horas da manhã, presa a uma cama de hospital – por aparelhos e por algemas – sem poder ouvir música, nem comer chocolate, usar o telefone, e com 750 dólares escondidos na vagina.


Quando ouço Billie Holiday penso que se o jazz tivesse uma cor, essa cor seria negra. Billie era dona de uma voz rouca, desconcertante. Quando cantava, ela escarrava a dor de cada um por meio de suas canções. Essa voz inconfundível moldou a mais comovente cantora de jazz de uma época. Mas sua vida esteve longe de ser qualquer outra coisa se não um amargo mártir, um “fruto estranho”.

Ela era pobre. E pior, era negra. Ser pobre e negra na década de 1920, em uma cidade de ricos-brancos como Baltimore, em Nova Iorque, definitivamente era estar na merda. Ainda mais se você é filha de dois adolescentes: sua mãe é uma humilde faxineira e se seu pai, pseudo-músico-frustrado, esqueceu que a adolescência um dia acaba, e resolveu sair por ai na tentativa de ser um star. E já que você tem uma vida fodida, o jeito é procurar emprego, quando ainda se está na idade de brincar de boneca. Então ela foi babá, garota de recados, faxineira de bordel e afins. E como faxineira de bordel, com 10 anos, ela foi estuprada. Me dê mais quatro anos, e ela havia caído na prostituição.

O encontro com o microfone foi ocasionado pela fome de viver. O fato é que ela e a mãe estavam prestes a serem despejadas. A ainda Eleanor saiu à procura de algum dinheiro, até chegar a uma boate. Ela não queria mais ser faxineira, muito menos prostituta. Dançarina talvez? Em vão, ela era um fiasco dançando! Então, o dono do lugar perguntou, “menina, você sabe cantar?”. A pergunta foi o parto para Billie Holiday, que nascia naquele instante. O ano era 1930, e dali ela passou a cantar em bares e boates, até que começou a excursionar com uma orquestra, e só parou de cantar no ano em que morreu. O resto não caberia aqui(...).

É difícil falar em Billie Holiday. Difícil, ainda, é falar nela sem falar em Lester Young, o saxofonista que foi fundamental para o seu estilo musical e que acompanhou a cantora durante quase toda sua carreira. Curioso ou não, mas Lester morreu em 1959, também às três horas da manhã. Uns dizem que foi naquela madrugada de março, com a morte do amigo, que o fim de Billie a agarrou.

Em canções como a polêmica “Strange Fruit” ela cantou o racismo. Em outras tantas o desamor. Antes de morrer ela já havia chegado ao inferno, guiada pelas bebidas e pelas drogas. Seu fim foi assim: com 44 anos, há 44 dias internada, em meio a uma parafernália de aparelhos, algemada a uma cama de hospital acusada de posse de narcóticos. Billie Holiday morreu sozinha. Minto, haviam dois guardas postados à porta do seu quarto. Num momento póstumo, sua enfermeira encontrou 15 notas de 50 dólares enroladas com fita durex na sua vagina. Se alguma música tivesse embalado o adeus de Billie, deveria ter sido “Non Je Ne Regrette Rien" da Edith Piaf. A francesa com nome de pássaro assim como tantas outras, teve Billie como referencia, bem como, um final ocasionado por ela mesma. Mas as duas continuam voando por ai, e aqui.


Ouça: Lady in Santin (1958)

Tem um samba antigo que diz assim “se eu parar pra cantar tristeza, meu tempo aqui não chega”. Billie foi o avesso. Cantando tristeza, “com uma gota de sangue a cada canção”, ela cantou até o fim. E em Lady In Satin (1958), seu penúltimo disco gravado em estúdio, a tristeza foi cantada nas 11 faixas, com uma maestria digna somente dela, que neste disco esteve acompanhada pela orquestra de Ray Ellis.

O disco é o amontoado de cicatrizes ocasionadas pelo amor, que Billie herdou em vida e pôs diante de ventilador em forma de canções. Quem ai é capaz de apanhar no ar cada uma delas, sem cambalear? Lady in Satin traz a voz de Billie debilitada pela bebida e pelas drogas, mas não menos apaixonante. A cada canção, sua voz soa mil vezes mais rasgante – e a cada faixa vai rasgando o coração daqueles que entram apenas com os tímpanos. Essa é a sensação lançada na primeira música do álbum,I'm a Fool to Want You” de Frank Sinatra. Sensação que se estende nas demais.

Depois de ouvir Lady in Santin, você percebe que, se de um lado existem aqueles que dizem ter em si “todos os sonhos do mundo”, Billie, aparentemente, carregou todas a dores do mundo nas costas. E o resultado resume-se em uma única palavra: emoção. Quando “I'll Be Around” termina, fica no peito um vazio. Vazio de quem, quando comparada com Billie Holiday, ainda nada viveu.



Billie Holiday interpreta Strange Fruit:


Strange Fruit é datada de 1939, e abalou as pessoas da época. O “fruto estranho das árvores do sul” da música, nada mais é que o corpo de um negro linchado e enforcado. “Sangue nas folhas e sangue nas raízes. Corpos negros balançando na brisa do sul. Frutas estranhas penduradas nos álamos”. A música foi censurada e vetada de tocar nas rádios.


Um comentário:

Unknown disse...

Eu gosto dela, mas prefiro a Mitchell!

beijos