Avisto a casa e juro mais uma vez que “essa será a última vez que irei até lá”. O receio em visitá-la pesa mais do que a leveza da sua presença grisalha. Ela mora longe, no alto de uma colina; tomada pelo tapete esverdeado que dá lugar a uma árvore que, sozinha, zela pela humilde casa de madeira que um dia foi azul.
Finalmente cheguei. Bato na porta... silêncio. O som de passos macios no assoalho capenga da casa aos poucos começa a se aproximar. Ela aparece, me olha, como se quisesse enxergar minha alma – depois suspira. Então, estende suas mãos em direção aos meus ombros, me abraça forte e se apresenta: “prazer minha jovem, me chamo Felicidade”.
Entro. Aquele seu olhar de quem está diante de uma estranha foi insuportável. Queria poder gritar que ela me conhecia, que me viu crescer e que por diversas vezes já me visitou – que zelou por meu sono, que me fez sonhar. Mas a desordem se aquieta dentro de mim; reflito e percebo que é natural que ela não me reconheça, afinal, há tanto tempo não venho lhe visitar.
Me calo, a deixo falar. Reparo nos seus traços, tão similares aos meus. Os olhos cansados, a face flácida de quem um dia já foi bonita. A mobília está no mesmo lugar – parece que estive aqui ontem. Na parede, aquele mesmo quadro antigo com a figura de um belo casal. De novo: aquele mesmo quadro antigo, que quando eu criança me prendia por horas, continua aqui – e o meu fascínio por ele também. Ela percebe que estou longe, com os olhos fixos no quadro, então fala: “hoje você entende que eu moro num quadro assim – me deixe pintar o seu”.
Parti. Sai do alcance dos seus olhos e sei que novamente sofrerei para sempre por isso. Então olho para trás, avisto aquela casa e juro, mais uma vez, que nunca mais irei até lá.