Desencontro. Penso nessa palavra,
no ciclo que a repete imemoráveis vezes e vacilo diante dela. Não é perder, nem
esquecer, é desencontrar; saber onde a coisa paira e ainda assim deixá-la na
lista de itens esquecidos. É uma ausência proposital, habilidade inata que
amadurece quando a infância habita somente as fotografias sem cor. Como quem
usa um sapato apertado de propósito, porque quer sentir dor. Porque a mesma
perseverança (ou teimosia) que faz alguém mudar de cidade e emprego ou repetir
o jogo da mega sena toda semana, abriga a mãe que dorme com os dois filhos no
canto de uma rodoviária numa noite fria, envolvida por balaios e cobertores
velhos. É a vida soltando um grito abafado para lembrar que em algum lugar
distante, mais alguém está vivo.
Toda vez que vejo alguma mulher
com o mesmo corte de cabelo de minha mãe, sinto o peito apertar enquanto simultaneamente
a garganta engasga e os olhos ensaiam um par de lágrimas; prelúdio da perda.
Então me pergunto como vai ser quando ela partir e me visitar em momentos
assim, trazida por rostos desconhecidos. Não sei lidar com a morte, jamais
aprenderei. Mas no lado avesso aprendi a desencontrá-la. Afinal, é no
desencontro da lembrança que se esquece um sorriso, um gesto, uma frase dita. E
usamos dessa arte milenar para desfocar a morte, a vida, as perseveranças
alheias, o dia de ontem.
Não há o fim do mundo, há mundos
que se acabam. Como a-infância, a-melhor-amiga-dos-16-anos, o-primeiro-emprego,
o-amor-pra-toda-vida, o-dia-de-ontem, esse-segundo. Mas há sempre alguém que
vai trazer embrulhado num papel de presente um porta-retrato do pai morto há 15
anos e dizer: “pode chorar, é teu direito”. Mas eu não tenho porque chorar, meu
Deus! Eu aprendi a desencontrar a dor da perda.