Para Getúlio Rui Palma
Volte e meia o vejo andando pela
cidade. Passos apertados, o boné escondendo os fios brancos, camisa de botão
com o estojo do óculos no bolso junto ao peito, uma pastinha embaixo do braço. Lá
está ele, sentado na frente da Letra, observando o movimento da Guarani, com
aquele olhar curioso; de quem guarda o mundo dentro de si, já viu de tudo um
pouco e ainda anseia por mais. Eis os “olhos de cristal sem névoa”, outrora
descritos por Cecília.
Chega o momento na vida de alguns
jornalistas em que o cronista e o poeta reconhecem a existência um do outro e,
juntos com o primeiro, formam o desassossego galgado por Fernando Pessoa; então, este
homem consegue ser comum e ainda assim tão singular. Quando isso acontece, toda
e qualquer impressão, em vez de palpitar antes de ganhar o papel, passa a ser
compartilhada de imediato. Ideias um tanto filosóficas, confusas, versos com e
sem rima aparecem de sobressalto, diante do motivo mais obsoleto. Poesia digna
de “quintanas” e “gullares”. Fazê-la com sabedoria requer simplicidade, humildade e verdade; permite-se apenas a insolência do brilho alimentado no
olhar.
Getúlio Rui Palpa, jornalista e escritor radicado em Pato Branco, autor dos livros "Histórias e estórias datadas de Pato Branco", "Pato Branco: Fé, esperança e tecnologia", entre outros. |
Poucas foram as vezes que me
deparei com um olhar tão terno e revelador; que fala mesmo quando o silêncio impera.
Alguns conseguem encarar a vida com olhos de poeta; compreendem o gemido do
vento, a frase contida, o afago sincero. Com ele, entendi que é difícil
sustentar todos os dias a compreensão da inexistência do tempo pintada por
Salvador Dalí; que não passa nem nos deixa para trás, quem passa somos nós. O
tempo permanece, sorrindo de um jeito singelo.
Enquanto ele divaga nas vezes que
me surpreende com um telefonema, me pego calada, inquieta em pensamento,
tentando assimilar a ideia de que a geração que escreveu os livros na minha
estante está partindo. “Se Deus não existisse, haveria necessidade de
inventá-lo”, escreveu diante de mim, porque para ele algumas coisas devem ser
escritas antes de ditas. Aceitar que o tempo não existe também exige outra
façanha: permitir ser acariciado pela fé e crer em algo forte, capaz de vencer
toda angústia que habita o peito minguado. Eis o que aprendi, com esse olhar de
poeta.