Ferreira Gullar tem dois filhos
esquizofrênicos. Certa vez, Paulo, o filho mais velho, resolveu observar o
vento. “O vento no rosto é sonho”, disse. Depois, perguntou ao pai se ele sabia
disso. Provavelmente não sabia, mas aprendeu. O aprendizado virou poema:
“Ele entrava em surto/E o pai o levava de/carro para/a clínica/ali no Humaitá numa/tarde atravessada/de brisas e falou/(depois de meses/trancado no/fundo escuro de/sua alma)/pai,/o vento no rosto/é sonho, sabia?”.
Dias dezessetes me soam graves. Hoje, enquanto andava pela rua vazia, senti um vento cortante no rosto e lembrei dessa frase “o vento no rosto é sonho”. Eu não sabia disso, mas aprendi. Da mesma forma que, já faz um bom tempo, aprendi o quanto a poesia de Ferreira Gullar é verdadeira e íntima. O aprendizado veio de presente, das mãos mais lindas que já vi. O livro veio, por obrigação; depois, a desolação.
Eu confesso, nos dias de inverno permito afoita que ele me beije. Ele é insano, me beija e beija a todos. Depois segue sozinho, assim como eu. Hoje, por um instante, achei que Paulo tivesse razão, sim, o vento no rosto é sonho.
Toda manhã pela rua enquanto eu passo, meço a angústia que repousa leve, no orvalho das folhas verdes e brancas. Piso macio para que ela não desperte e não pouse densa no meu dia. Grito calada: “não sou daqui!”. Ninguém ouve. Então sinto o vento, o beijo mais uma vez; e percebo que somente a loucura deve ser elogiada. A minha, a sua, a de Paulo, a de Erasmo.
Mas louco é quem me diz que não é feliz. Eu sou, Paulo é, Erasmo era.
*Texto originalmente escrito em junho de 2009, carinhosamente reeditado em julho de 2013.