sábado, 10 de outubro de 2009

João de Paula, o registro da vida com imagem e poesia há 50 anos

Quando a fotografia alimenta a alma
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“A inspiração gira por aí. De repente ela passa perto de você como se fosse uma borboleta: se você pegar pegou, senão ela vai embora”. A frase é do fotógrafo e poeta João Maria Alves de Paula, artista que sempre buscou inspiração na natureza e andou com a câmera fotográfica pendurada pela alça no pescoço, registrando momentos únicos, alegrias e tristezas, por mais de 50 anos.
João de Paula nasceu em 13 de julho de 1935, em Lagoa Vermelha, no interior do Rio Grande do Sul. Em 1954, o jovem com então 19 anos, descobriu a fotografia no exército e lá mesmo começou a tirar e a vender as primeiras imagens capturadas por uma objetiva. Ao sair do quartel, em 1955, João fez um curso por correspondência e aprendeu suas primeiras técnicas fotográficas. Mas aprender a fotografar de forma quase autodidata gerou alguns episódios curiosos: “fotografei um filme inteiro, abri a máquina, tirei o filme e olhei contra a luz para ver como as fotografias haviam ficado... imagine! Claro, queimei o filme inteiro”, risos.
Chegada em Pato Branco
Os livros pelas estantes de sua casa e a máquina de escrever empoeirada dividem espaço com as centenas de fotografias que compõem um cenário nostálgico. Ali, João de Paula digita seus poemas e através de suas fotografias relembra a sua e a história de Pato Branco. Tendo como companheira uma memória que não falha, João lembra com exatidão o dia em que chegou na cidade e as dificuldades dignas de todo início de vida nova: “ cheguei aqui no dia 15 de fevereiro de 1965, e me instalei muito mal. Achava que ao chegar aqui eu já ganharia dinheiro. Que ganhar dinheiro coisa nenhuma! Foi passando o tempo e tive que vender até minha máquina para poder sobreviver”, recorda.
A ajuda veio literalmente do céu! Foi a nevasca que atingiu a cidade de Pato Branco em 1965 a responsável pela ascensão profissional de João de Paula. Na época, ninguém na cidade sabia fotografar neve, inclusive ele. Mas ao ver pela janela o chão tomado pelo tapete branco, João correu para seus livros e encontrou o que precisava: “Li que para fotografar neve o obturador deveria estar regulado na velocidade 250 e o diafragma na abertura 11. Após regular a minha máquina, regulei outra, a de um Frei que era muito meu amigo. Ele ficou desconfiado porque o diafragma estava muito fechado, não entendia que embora o céu estivesse escuro, a neve refletia a luz, por isso, ao deixar o diafragma aberto as fotografias estouravam”, explica. “Eu vendi tanta fotografia naquele dia que sai do anonimato. Até então eu era o João, o João – Ninguém. Depois daquele momento eu fiquei conhecido, ai não me faltou mais trabalho, até agora que resolvi parar de fotografar”.
O cotidiano pato-branquense em cada clique
Com a objetiva voltada sempre para os detalhes, João de Paula conseguiu registrar fatos curiosos e históricos de Pato Branco, pois como fotógrafo vivenciou várias faces da profissão, atuando do foto-jornalismo até à fotografia artística.
Uma das fotos mais conhecidas de João de Paula é aquela que registra o momento exato em que um raio atingiu a cruz da torre da Igreja Matriz São Pedro Apóstolo. Toda tempestade que se aproximava, João, que na época morava nas proximidades da Igreja Matriz, colocava sua máquina no tripé e ficava na janela da cozinha esperando o raio. “Quando consegui a foto eu quase caí de costas no chão, foi um susto tremendo. Eu fiquei eufórico para ver o resultado na manhã seguinte, tanto que naquela noite quase não dormi. No outro dia, quando revelaram o filme, eu tive na mão uma fotografia sensacional”.
Para a professora e historiadora Néri França Fornari Bocchesi, a história de Pato Branco foi registrada graças às lentes de João de Paula. “O João é uma figura importante em Pato Branco, porque ele não é um fotografo comum, ele enxerga aquele pormenor que o outro não vê e isso o diferencia dos demais. E, como ele registrou o cotidiano de Pato Branco por 50 anos, consequentemente registrou a nossa história”, frisa Neri.
Quando cliques viram versos
Outra face artística de João de Paula é a poesia. O fotógrafo desenvolveu uma facilidade curiosa em associar poesia com fotografia, pois passou a criar poemas baseados nos cenários de suas fotografias. E foi justamente para o aniversário de 15 anos de Pato Branco que João fez seu primeiro poema para homenagear a cidade.
“Ele é uma pessoa de uma sensibilidade muito grande, porque além de fotografo ele é poeta. Esses são apenas algun, de uma série de dons que ele tem”, ressalta a professora Néri, que foi a responsável pelo ingresso de João na Academia Patobranquense de Letras.
Traços do tempo
“O que é a natureza da gente? O que o mundo e o que o tempo fazem com a gente?”, me pergunta João de Paula. A resposta não veio. Há cerca de quatro anos, João de Paula, aos 75 anos, resolveu se aposentar. Atualmente, vive com sua esposa, seus livros, suas fotografias e com as abelhas que começou a criar no quintal da casa longe do centro da cidade. “A gente fica velho, não suporta mais música alta, agitação, barulho de criança, correria. Então resolvi para Não tenho mais o mesmo pique de outros tempos, como quando eu passava a noite toda acordado em pé numa festa fotografando, por exemplo”, revela.
João, que não se rendeu à fotografia digital, trabalhou sempre com câmeras analógicas, passando, às vezes, horas para revelar uma foto. “Eu me sentia emocionado toda vez que a imagem começava a surgir na minha frente na hora da revelação”, lembra.
Além de diversas premiações nacionais, ele tem fotografias aceitas em exposições internacionais, em países como Chile, Costa Rica, Itália e República Tcheca. E, embora sua trajetória artística seja longa e composta por vários prêmios, João de Paula também já sofreu com a falta de reconhecimento, realidade digna de tantos outros artistas locais. Atualmente, suas exposições, tão raras, dificilmente chamam a atenção da população, que normalmente se volta a outros tipos de lazeres. “A cidade de Pato Branco até agora não valorizou a grande figura humana e a grande figura artística que é o João de Paula”, desabafa Neri.
E o que a fotografia pode representar para um homem que por 50 anos, registrou ângulos da vida real com imagem e poesia? “A fotografia me deu duas coisas: me alimentou o corpo e a alma, ou seja, foi tudo para mim!”. Quando o ponto dessa frase foi desenhado no papel, agradecimentos foram dados, o bloco e a caneta devidamente guardados. Ao me despedir, dei as costas à nostalgia e a um homem grisalho, parado no portão da sua casa, com lágrimas nos olhos.

2 comentários:

giancarlo rufatto disse...

seu João é foda, toda vez que ia na casa dele, quando ele morava no centro, pensava em roubar aqueles quadros que ficavam na garagem. Até avisava "quando sumir um destes daqui, pode ir procurar lá em casa"

Oliveira Junior disse...

Algumas pessoas rendem belas histórias... Curti, principalmente, as últimas linhas. No trecho final a jornalista surge entre as palavras que relatam a vida de João de Paula. Talvez elas pudessem ser mais frequentes. Vale como sugestão. Gosto muito dessas aparições.