Entre as façanhas da natureza, o que mais me intriga é a
aurora de cada amanhecer. Muito mais que assisti-la, ser acariciada por ela
todos os dias é o que nos torna otimistas diante do mundo. Com ou sem a luz do
sol, ela vem – e literalmente não teme tempo feio. De efeito, é capaz de
resgatar um instinto inconsciente em cada um de nós: o de recomeçar.
Gosto de pensar que o amanhã, embora travesso e incerto, ao
menos enquanto escrevo essas linhas me traz a certeza de “autre chance”. Quem
disse que uma vez é única e incontável estava certo, mas não se pode limitar-se
diante a arbitrariedade do momento súbito.
Por vezes, é difícil receber a luz incômoda do amanhecer. Os olhos doem, preferem o conforto da
escuridão do sono, enquanto os pés calejados sustentam a alma que padece. Pois
bem, estamos naquele dia em que “a gente se sente como quem partiu ou morreu”.
Não sou avessa à melancolia, até acho que seja necessária. Mas é preciso
garantir que sua visita seja breve, de intenção genuína – cujo propósito seja
apenas acolher a alma, não consumi-la.
Pergunto: é preciso ser janeiro para trajarmos nos olhos a
vontade do novo, de novo? Oras, “faceboquiar” louvores à vida só vale quando o frescor
efusivo vira atitude. E não é o ano que tem que mudar, é você – e o processo é
permanente, constituído por hábitos diários.
Sejamos por inteiro apenas amor! De começo, basta aceitar a
visita da aurora que, se fosse gente, seria uma senhora com cheiro de colônia
de avó e diria coisas singelas, feito aquelas mulheres que não alteram o tom da
voz e, nem por isso, deixam de ser ouvidas.
Aurora, nome bonito para designar à alguém. Mas você pode
personificar a sua. É só reconhecer que a cada novo e revisitado amanhecer, há
a virtude de tentar de novo e poder fazer diferente. É possível até, quem sabe,
rever aquele adeus.
Um ano cheio de auroras a você, que chegou até aqui.