É sensacionalismo mostrar para o mundo a imagem
de um menino de três anos morto na praia? Então há pudor na imagem, mas não na
palavra? Sei. A pergunta aqui é outra: do que há de evoluído em uma sociedade
que não permite que mães e filhos cheguem em terra firme? Nada. E assim,
guerras vêm e vão, nos mostrando que não há porto seguro. Enquanto isso,
permanecemos aqui, à margem da impotência. Soa mais como hipocrisia. Quantas
vezes, no conforto do nosso egoísmo, nos perguntamos sobre a guerra que avança
longe daqui e não nos atinge, pois, entre nós e Aylans, há um oceano que,
involuntariamente, afoga sonhos e anjos. A imensidão da nossa ignorância cabe
em muitos mares; só não é maior que a tristeza de fazer parte de uma humanidade
voluntariamente desumana, que ainda faz vítimas inocentes, crianças que não
escolheram nascer nesta ou naquela nação; mas nasceram e tão logo morreram. Então,
lembro do “eterno retorno”, que nos diz que vivemos em uma eterna repetição. A
história nos mostra que sim. Somos impotentes, grãos de areia diante da
cegueira alertada por Saramago. Foi em vão, José. Aylan vai tirar o nosso sono,
a nossa sensação falsa de conforto. Mas até quando? Amanhã é um novo dia e
dane-se o outro. Afinal, meu umbigo, minha conta de luz, minha visão insossa de
coisa alguma prevalecem. Seguimos assim, protegidos pela indiferença. Hoje,
Aylan deveria ter uma noite confortável de sono, numa cama quentinha, antes de
ter comido algo gostoso. Deveria ter crescido a ponto de não usar mais aqueles
sapatos. Ou ter reconhecido a sua história na aventura vivida por Pi. Mas não
pôde. Não haverá mais amanhã, nem maresia.
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