quarta-feira, 16 de março de 2016
Declaração
Será que a gente ainda se ama ou se acostumou um com o outro? Não sei, tem dias que as horas são sufocadas por incertezas. O que eu sei é que quando eu ligo cedo pra desejar um bom dia, não é pra ser chato, é porque eu realmente quero que seja um bom dia. Isso, ao meu ver, é amor. Quando eu organizo a casa pra que você consiga estudar e te cubro em silêncio, pois faz frio lá fora, é amor. Quando eu preparo a bolsa de água quente sem você pedir, porque eu sei que você sente cólicas, voilá... amor. Quando saio pra rua e volto com um milk shake surpresa, amor. Ou quando eu fico ansioso porque sei que você tem algo importante pra fazer e meu dia parece correr leeeeeeeeeeeeento, pesado... aham, também é amor. Ou quando eu digo “vou dar meu jeito, não se preocupe”, sim, amor de novo. Principalmente naqueles dias em que eu esqueço de mim, mas ainda assim não esqueço de você. São nessas pequenas coisas que o que a gente sente se manifesta. No querer o bem do outro, sem querer nada em troca. Não, eu não me acostumei com você, nem nunca vou me acostumar, porque sei que preciso recomeçar todos os dias. Aliás, precisamos, né? Nem sempre será fácil. Mas, ainda assim, não almejo outro amanhã senão este presente aqui, do teu lado. E até nas horas sufocadas por incertezas, eu tenho certeza: é amor.
quarta-feira, 9 de março de 2016
1996
Lembra o dia em que o avião dos
Mamonas Assassinas caiu e muita gente não foi para a escola? Um pequeno grupo
de crianças passou pela rua cantando “minha Brasília Amarela, tá de portas
abertas”. Chovia e você disse que em dias assim, quando alguém que gostávamos falecia
e as gotas inundavam a terra, era porque “o céu estava em festa”. Não entendi
direito – a morte, o avião que tinha despencado, tampouco a tal festa. Rápido,
a dúvida deu lugar à lamúria manhosa, afinal, eu também queria ficar em casa.
Ou, quem sabe, ir lá fora cantarolar com os estranhos, tão alegres. Chovia e
era preciso estudar, sempre.
Sem motivo aparente, essa
lembrança me visitou dia desses. Ainda sinto o clima úmido daquela manhã vazia,
quase fria e chorosa em virtude da chuva insistente. Era março de 1996. E se, na
astúcia de criança, eu soubesse que em poucos meses você também nos deixaria?
Eu teria aproveitado cada instante ou admirado cada reprovação? Teria insistido
para que você me levasse ver o trem cortando a cidade, outras tantas e novas
incontáveis vezes? Não sei. Mas eu ainda sinto o gosto do bolo quente com leite
gelado, combinação que nunca ocasionou "dores de barriga" e afins.
Quando você partiu também chovia.
Era noite de Natal e lá fora, nas ruas, tanta gente sorria, cantava. Foi a
primeira vez em que percebi a incoerência da existência, onde a felicidade independe
da vida alheia. Vai ver seja por isso que, quando me permito sentir breves
espasmos de felicidade sincera, me condeno. Afinal, e os outros? Baita tolice!
Realmente, chovia naquela noite. A água escorreu sem rumo durante o dia seguinte, e no outro, e no outro. Deve
ter sido uma baita festa no céu. Como a que deve estar acontecendo agora, para
outros pais, mães, filhos. Talvez, o som macio dos pingos na janela seja uma
melodia terna, que quebra o silêncio e resgata lembranças – o jeito singelo de
quem partiu nos acariciar e trazer a saudade.
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