Lembra o dia em que o avião dos
Mamonas Assassinas caiu e muita gente não foi para a escola? Um pequeno grupo
de crianças passou pela rua cantando “minha Brasília Amarela, tá de portas
abertas”. Chovia e você disse que em dias assim, quando alguém que gostávamos falecia
e as gotas inundavam a terra, era porque “o céu estava em festa”. Não entendi
direito – a morte, o avião que tinha despencado, tampouco a tal festa. Rápido,
a dúvida deu lugar à lamúria manhosa, afinal, eu também queria ficar em casa.
Ou, quem sabe, ir lá fora cantarolar com os estranhos, tão alegres. Chovia e
era preciso estudar, sempre.
Sem motivo aparente, essa
lembrança me visitou dia desses. Ainda sinto o clima úmido daquela manhã vazia,
quase fria e chorosa em virtude da chuva insistente. Era março de 1996. E se, na
astúcia de criança, eu soubesse que em poucos meses você também nos deixaria?
Eu teria aproveitado cada instante ou admirado cada reprovação? Teria insistido
para que você me levasse ver o trem cortando a cidade, outras tantas e novas
incontáveis vezes? Não sei. Mas eu ainda sinto o gosto do bolo quente com leite
gelado, combinação que nunca ocasionou "dores de barriga" e afins.
Quando você partiu também chovia.
Era noite de Natal e lá fora, nas ruas, tanta gente sorria, cantava. Foi a
primeira vez em que percebi a incoerência da existência, onde a felicidade independe
da vida alheia. Vai ver seja por isso que, quando me permito sentir breves
espasmos de felicidade sincera, me condeno. Afinal, e os outros? Baita tolice!
Realmente, chovia naquela noite. A água escorreu sem rumo durante o dia seguinte, e no outro, e no outro. Deve
ter sido uma baita festa no céu. Como a que deve estar acontecendo agora, para
outros pais, mães, filhos. Talvez, o som macio dos pingos na janela seja uma
melodia terna, que quebra o silêncio e resgata lembranças – o jeito singelo de
quem partiu nos acariciar e trazer a saudade.
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