quarta-feira, 9 de março de 2016

1996





Lembra o dia em que o avião dos Mamonas Assassinas caiu e muita gente não foi para a escola? Um pequeno grupo de crianças passou pela rua cantando “minha Brasília Amarela, tá de portas abertas”. Chovia e você disse que em dias assim, quando alguém que gostávamos falecia e as gotas inundavam a terra, era porque “o céu estava em festa”. Não entendi direito – a morte, o avião que tinha despencado, tampouco a tal festa. Rápido, a dúvida deu lugar à lamúria manhosa, afinal, eu também queria ficar em casa. Ou, quem sabe, ir lá fora cantarolar com os estranhos, tão alegres. Chovia e era preciso estudar, sempre. 


Sem motivo aparente, essa lembrança me visitou dia desses. Ainda sinto o clima úmido daquela manhã vazia, quase fria e chorosa em virtude da chuva insistente. Era março de 1996. E se, na astúcia de criança, eu soubesse que em poucos meses você também nos deixaria? Eu teria aproveitado cada instante ou admirado cada reprovação? Teria insistido para que você me levasse ver o trem cortando a cidade, outras tantas e novas incontáveis vezes? Não sei. Mas eu ainda sinto o gosto do bolo quente com leite gelado, combinação que nunca ocasionou "dores de barriga" e afins. 


Quando você partiu também chovia. Era noite de Natal e lá fora, nas ruas, tanta gente sorria, cantava. Foi a primeira vez em que percebi a incoerência da existência, onde a felicidade independe da vida alheia. Vai ver seja por isso que, quando me permito sentir breves espasmos de felicidade sincera, me condeno. Afinal, e os outros? Baita tolice! 


Realmente, chovia naquela noite. A água escorreu sem rumo durante o dia seguinte, e no outro, e no outro. Deve ter sido uma baita festa no céu. Como a que deve estar acontecendo agora, para outros pais, mães, filhos. Talvez, o som macio dos pingos na janela seja uma melodia terna, que quebra o silêncio e resgata lembranças – o jeito singelo de quem partiu nos acariciar e trazer a saudade.

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