quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

↕ Bagaços e Escolhas

Pegar o ônibus, que coisa mais intrigante! Parar num determinado lugar, e ficar ali esperando a locomoção que lhe levará ao seu destino. Como se na vida as coisas funcionassem assim: fique parado e alcançará! Se quer algo, corra atrás dele, caralho! Mas a questão é que ter que pegar o bendito ônibus, de certo modo lhe intrigou. Talvez pra quem faça isso freqüentemente, seja algo que passa despercebido. Como tantas coisas passam despercebidas, pelo fato de que são constantes. O amanhecer, o entardecer, o anoitecer, viver!
Mas quem sabe essa tamanha inquietação pelo simples fato de pegar um ônibus, seja porque a pessoa que vos escreve, não saiba pegar um ônibus. Levando em consideração de que vive numa cidadezinha de certo modo pequena, isso seria realmente difícil – como o difícil lhe atrai, muito mesmo – mas mesmo assim, tantas foram vezes que conseguiu a proeza de pegar o ônibus errado e ir parar na intitulada zona sul – mas isso é pano pra outra história.
Por não ser mestre em pegar ônibus, chegou no ponto antes do horário. Então está ali, sem ter o que fazer, sem saber o que fazer, com medo de se mexer, porque percebe que os estranhos lhe olham. E continua ali, com cara de pomba, olhando pro nada, com estranhos a sua volta, que lhe olham e olham. E ela ali, tentando fazer com que o seu poder de ler a mente alheia funcione, mas mais uma vez foi uma tentativa frustrada.
Dividir o mesmo metro quadrado com um estranho é realmente algo demasiadamente estranho. E nesse instante de extrema estranhice, a hipocrisia humana vem à tona. Ela continua ali, mas agora está fingindo olhar o meio-fio, ou as duas crianças sentadas nele, só para mostrar sua tamanha indiferença ao estranho que lhe mira. E se esforça para prestar atenção no empolgante diálogo das duas crianças magrelas e ranhentas:

Criança 1: Cadê a mãe?
Criança 2: A Mãe já vem, ela foi ali na lanchonete, tomá uma pinga!

E ela busca forças, sabe Deus da onde, não para perder tempo protestando e se indignando com pensamentos do tipo: aonde esse mundo vai parar? E sim para controlar a vontade súbita de atravessar a rua, ir até a lanchonete e se juntar à mulher e pedir uma dose da mais vagabunda e barata pinga. Mas certamente não lhe venderiam, porque sem decote tem cara de guria de 15 anos. E beber pinga numa tarde de segunda-feira, em plena luz do dia, não é coisa que se faça, porque um dia alguém hipócrita assim como ela, que, também como ela, segue os paradigmas de uma sociedade suja e hipócrita, lhe disse que beber, fumar e ouvir blues, é coisa de gente desocupada, que nunca conseguirá "ser alguém na vida" – se bem que "não ser alguém na vida" como Billie Holiday e Janis Joplin, lhe parece bem mais excitante, mas isso também é pano pra outra história – e como ela precisa ser alguém na vida! E principalmente porque perderia o ônibus, e não chegaria ao seu destino a tempo – tempo, olha você outra vez!
Quando algo foge da sua compreensão ou das suas mãos, ela tem esses momentos de inquietação e perturbação, em que, de certo modo, reflete. Esses momentos são breves, mas como tudo na vida, depois de espremer bem, junto com o bagaço sempre fica algo bom para escrever! “Por que eu vou falar, se eu posso escrever?”
Quinze minutos se passaram e ela ainda está ali, quando avista um ponto azul marinho se aproximando. Sobe no ônibus, e como a vida é feita de dias, e esses dias são repletos de bagaços e escolhas, vai para o seu destino, deixando pra trás a bebida, o cigarro e o blues. Mas eu lhe dou um desconto, não era sexta-feira após as 22 horas.





Acredite se quiser .: Não sou Fernando Pessoa, então não sou o que escrevo. Nem tão pouco me chamo Maria, as Marias que crio. Então não tente descobrir quem sou , o que faço, pois apenas dou vida, não conto a minha :)

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

↕ Uma Vez é Única

O vento te acaricia e abraça. Não te pega no colo, mas se você fechar os olhos quem sabe consiga se sentir como a folha seca que dança e se exibe na tua frente, como se estivesse num salão no embalo excitante da voz do Morrison, enquanto alguém conduz teu corpo numa sintonia mutua e sussurra: “Hello, I love you. Won't you tell me your name?” E então você se pega pensando que para isso precisa de alguém que te guie e te faça rodopiar feito a bendita folha. Nunca se permitiu a ser guiada por alguém. Como nunca se permitiu a tantas coisas. Oh Deus, o quanto o clichê pode ser maravilhoso! Mas ser do contra sempre lhe pareceu mais conveniente. Nunca viveu as maravilhas que o “permitir-se” da música proporciona. Cautela e sensatez, suas amigas inseparáveis, que te paralisam e te impedem de rodopiar pelos salões do clichê. “Uma vez não conta, uma vez é nunca” – li isso certa vez em um livro. Eu, contesto! Pensar assim remete a idéia de que uma vez é nula porque as coisas se repetem, e que segundas chances são constantes e se multiplicam feito as gotas de chuva que caem do céu, o que não acontece. Chances são únicas, e não é com freqüência que batem na tua janela dizendo: “Hey baby, dê uma de Betty Balanço e vem com tuuudo!” E muito menos “te avisam quando for a hora”. Cara amiga Cautela, vá embora! Sei que essas coisas devem ser ditas com uma certa cautela, mas estou cheia de você, então sua partida é realmente necessária para que essa jovem moça permita-se sentir uma vez, ou quantas vezes quiser, o delicioso peso da consciência nas costas e uma mão grande em sua cintura que a transforme em uma folha de outono, no embalo ardente de uma noite de verão – olha o clichê Jozieli, tá aprendendo! E você senhora Sensatez, aumenta o som e dança conforme a música toca: Hello, I love you. Let me jump in your game.” Dance até se descabelar e aproveite o agora, porque o próximo segundo é incerto. É a maneira com que você se entrega e agarra as chances que te permite rodopiar numa dança ao som da sagacidade que sussurra: Come on baby, light my fire!” Um estalar de dedos basta para que o tempo cumpra sua missão, e no mesmo estalar a vida se encarrega de encaixar as coisas. Piscou, já era! Simples e sutil, assim. Como o tempo passa diante de você depressa, dançando feito a folha que te mira. Dificilmente a mesma folha dançará pra você uma segunda vez. Uma vez é tão única, tão rara, que se torna incontável. Uma vez não conta, uma vez é única.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

↕ E Continuam Rezando

Lhe ensinaram a juntar as mãos e rogar, então você o faz. E reza, sem saber ao certo pra quem, mas continua rezando. Reza pela velha que revira o lixo enquanto fala sozinha. Mulher que nunca aprendeu a escrever o próprio nome. Nome que, aliás, já esqueceu há tempos. Reza pelas duas crianças, que se aproximam e dividem o lixo com a velha. Ainda não sabem escrever o seus nomes, e provavelmente nunca o desenharam com um lápis. E você, atrás do seu vidro fume, apenas olha. Se pergunta o porquê de tanta desigualdade, que divide e separa as pessoas tão brutalmente, com emoldurados vidros fumes. Você é surda e cega. Todos são surdos e cegos. E embora não fale sozinha como a velha do lixo, você fala, fala, mas ninguém te ouve. Ninguém te ouve, ninguém te vê. Quem sabe alguém ouça a velha. Quem sabe ela esteja apenas rezando, porque um dia lhe ensinaram a juntar as mãos e rogar, então ela o faz. E reza, sem saber ao certo pra quem, mas continua rezando. Mas esse alguém é surdo, e cego.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

↕ Pedaço de Papel

Ajoelhada sobre a terra ainda fofa, ela tira do bolso uma folha amassada e com as mãos tremulas, pela quietude exagerada do lugar, conduz o pedaço de papel em direção à lápide de mármore, que traz estampada a mesma foto que por tanto tempo ela guarda em segredo no fundo de uma gaveta. E então ela começa a ler, com dificuldade, pois as lágrimas que insistem em lhe cortar a face caem sobre o papel e borram a letra quase que indecifrável, de alguém que encontrou nas palavras sussurradas por um lápis, a forma de se libertar de um sentimento, por tanto tempo guardado em um coração infanti, e que agora se liberta desta prisão. Mas está condenado a passar toda a eternidade nas linhas desse papel amassado, porque a pessoa a quem este sentimento foi destinado, jamais saberá o quanto foi amado, pois conquistou um coração covarde, que nunca teve coragem de olhar em seus olhos e lhe dizer em vida, o quanto o amava. E agora que seus olhos estão selados para sempre, ela toma coragem e resolve ler uma carta que escreveu há tanto tempo e sempre adiou para o dia seguinte o momento em que ela a entregaria a ele. Até que de tanto esperar, um dia ele morre, e não haverá dia seguinte, pois agora ele está no fundo de uma cova fria em um cemitério sem vida, onde a única forma de movimento é um pedaço de papel, deixado por uma moça que de tanto esperar viu seu coração sendo enterrado mesmo não estando morta. E o papel, conduzido pelo vento de uma tarde triste de outono, dança entre os túmulos, feliz, pois traz junto de si a chave das algemas que por tanto tempo acorrentaram um coração, que aos poucos está deixando de bater e que vive somente a espera do momento em que se juntará ao seu amor e finalmente dirá o quanto o ama, e dessa vez não precisará de nenhum pedaço de papel.