A mulher atrás do muro é pudica e se intitula puritana. Morre de medo do avanço e da precocidade da juventude. Esse medo é fruto do seu reflexo diante do espelho, que vem acompanhado com um forte e incontrolável asco toda vez em que se depara com o maracujá de gaveta que suas faces se tornaram. O tal do tempo justifica as rugas e a ausência da cor nos cabelos. A mulher adora achar justificativas, as mais cabíveis se possível. O fato é que para ela, “na sua época” o pudor era mais evidente, e existia. Embora ainda esteja viva, insiste em usar a expressão “na minha época”, como se não vivesse mais em época alguma, como se o tempo tivesse parado. Como se ela estivesse morta e enterrada, embora o coração ainda pulse no peito flácido. Para ela o pudor foi embora, melhor: expulso de mala e cuia, dando lugar ao tal “sexo, drogas e rock´n roll” que leu, horrorizada, rabiscado em enormes letras de forma no caderno da filha. “Pura e doce é a sua menina” que, aliás, adora exibir para as amigas, e faz questão de sempre que possível, estufar o peito e soltar que “foi daquelas ancas que aquela belezura saiu”. Embora zele pelo “correto”, adora pensar sandices, e o faz sempre. Melhor do que pensar ela fala, com uma enorme eficiência, diga-se de passagem. E periodicamente age como se estivesse exibindo a enorme habilidade que possui de falar sandices, e fala, fala: “se minha filha namorar com um cabeludo, eu me mato! Se minha filha transar antes do casamento, eu me mato! Se minha filha colocar brincos na cara, eu me mato! Se minha filha fizer uma tatuagem (para ela tatuagem é coisa de mulher vagabunda), eu me mato! Se minha filha se drogar, eu me mato!”. O prelúdio do suicídio já passou tantas vezes pela sua cabeça, que a coitada esqueceu de viver. O fato é que a sua filhinha doce e pura, até pode ser uma doçura, mas há tempos não tem nenhum vestígio da tal pureza. Todos os tipos de amor devem ser cegos, inclusive o amor materno. E é essa cegueira que a mantém viva, longe dos tais suicídios que tanto se diz capaz de cometer. O grande dilema é que até hoje, não teve nenhuma alma caridosa capaz chacoalhar a mulher e dizer: “minha senhora, o tempo não justifica somente as sua velhice, e da mesma forma que ele passou pra senhora, além do seu muro ele também passou. Levou e trouxe novas eras. Os tempos mudaram”. Ou de um jeito menos cordial: “o mundo vai muito além do que você pode enxergar atrás desse muro. As coisas não são do jeito que senhora pensa que são. Nem do jeito que alguém um dia lhe disse que são! O mundo é grande demais para caber dentro de uma cabecinha tão pequena e retrô, como a sua. E a sua filha minha senhora, anda trepando faz tempo com um roqueiro, e além de ter tatuado na nádega esquerda “all you needs love”, também adora fumar maconha com as amigas. Portanto, guarde suas asneiras num lugar muito bem escondido, e depois tenha um colapso de amnésia e esqueça onde as guardou. E viva! Saia dessa vida medíocre e anacrônica”. Mas ninguém nunca cometeu a proeza de dizer tais palavras para a mulher. Que continua atrás do muro. Que continua vendo o que quer ver. Que continua não vendo nada!
Um comentário:
Nossa Jozieli: Muito bom!!!
Literário, inteligênte, estiloso. Bom trabalho.
De qualquer forma, torço pra que a mulher, se não puder mais enxergar esta época, consiga ao menos divertir-se no seu pequeno mundinho atrás do muro. Sem crueldades, ela está errada, mas até a entendo. =/
Um grande beijo, escritora!
Olhando Pra Grama - Crônicas de um ansioso
Postar um comentário