domingo, 6 de julho de 2008

↕ Uma culpa a mais


Troque o uísque pela vodka. Se não consegue largar esses porres, nem tampouco as mágoas que tanto afoga, troque o tipo de álcool, por favor! Chega, isso já se tornou enjoativo. Você não me constrange mais com esse papo de dó. A mesma repulsa da desculpa. O mesmo soneto da culpa. Então, depois de muito se contorcer no lençol azul, que ela pôs na sua cama, você dorme. E sonha, comigo. E acorda, infelizmente.
A sua cabeça dói. Enquanto a dela, pesa. A sua dói devido ao porre, e a culpa. A culpa lhe sobe nos ombros e lhe faz capengar o dia todo – sim, estou acima do peso. Mas o que nela pesam, são os chifres.
O nome da fulana da noite anterior? Não lembra. Mas lembrará no instante em que a ver, pois, se não trabalha, deve tomar café com você na padaria da esquina. A última pelo menos, foi assim: “Você vem sempre aqui? Venho sim. Sou solteiro. Minha mãe mora no interior. Não tenho habilidade em cozinhar. Advogado, e você? Ah sim, reparei os seus traços, deve ser moça do sul mesmo. Aliás, lindos olhos, me lembraram o céu de março. Hoje? Ah sim, estou livre. As 8? Combinado! A propósito, como é o seu nome?”
Paramos aqui. O nome você não sabe. Ou nunca lembra. Exceto da última, que tinha o segundo nome da sua amada : Antonieta. Essa não foi esquecida. Ah sim, o nome da corna em questão é Maria Antonieta. Mas no geral, se formos analisar, é bom que você não saiba, nem tampouco lembre dos nomes. Não corre o risco de durante um orgasmo clamar pelo nome de alguma amante.
Amante? Amante não. Poderíamos intitular “amante” se fosse algo mais sólido. O que acontece são orgias momentâneas, né? Nunca teve amantes. O que teve, e tem constantemente, são trepadas e surubas. Meia hora? Uma hora? Na verdade, 10 minutos, nunca passa disso. Ah sim, claro “você nunca mais fará o mesmo”.
E quando as vê? O que faz? Finge que não vê. Às vezes manda flores. E some. Mulheres são tolas, mas sabem que transar com homens comprometidos, dificilmente, rende uma relação duradoura que gerará filhos, netos e bisnetos. Isso, só acontece com a corna. As cornas constituem família e tem almoços de domingo. Amantes e derivados, não.
E se pergunta por que continua traindo Maria. A resposta não vem. O vazio que tenta preencher, continua vazio. Você se vê completo apenas quando ela dorme no seu peito. No geral, o que faz é para alimentar um prazer sangue suga. E toda vez que encosta seus lábios em outros lábios, lembra do beijo de Maria, e da maneira com que faz bico sem perceber. E quando sorri no meio de um flerte qualquer, vê no ato o sorriso de Maria, que quando acontece é como um quadro raro, emoldurado por aqueles lábios vermelhos que dispensam qualquer pintura carmim. Ao sentir o toque dos seus dedos em outros seios, no ato lembra dos arredondados e doces seios de Maria. Quando se vê refletido em olhos alheios, ri num espasmo, ao lembrar daqueles olhos amendoados e insanos, que sorriem mesmo quando ela não sorri. E quando vê os seus pêlos presos em outros cabelos, se perde numa escuridão interminável, pois a luz dos cabelos dourados de Maria é capaz de levar qualquer homem a cegueira.
E a mim, o que resta é continuar lhe pesando a consciência e lhe fazer capengar. Só o que lhe peço é para trocar o uísque pela vodka. Recomendaria um bom vinho, mas o deixe para beber com Maria. Se ela ainda estiver lá.

Um comentário:

Igor Lessa disse...

Nossa, Josi: forte. Literário, como sempre; você é boa nisso. Gostei muito do prisma da consciência já enjoada da figura do próprio regido, clamando não por uma mudança, mas sim pelo simples pedido: Mude o destilado! Muito forte, muito bonito. Aliás, lembrou-me muito um amigo que age como este aí, dono da consciência - ou da falta dela. Pessoas assim, costumam trair a si mesmas... Logo sendo bem difícil não trair, mesmo as que amam. Forte, difícil, bonito...

Um beijo Josi! Gosto muito daqui!
Me avise sempre que postar! ;)



Olhando Pra Grama - Crônicas de um ansioso