segunda-feira, 14 de julho de 2008

↕ A luva sem par

Faz frio, e é um frio que não congela só os ossos, mas também o espírito. E enquanto a cidade dorme você está aí, usando apenas uma luva. E me pergunta – como num mantra sussurrado infinitas vezes no cálido lóbulo da minha orelha – o seguinte: “Dentro de uma frase feita, diga quem sou eu? Alguma coisa cujo a vida foi feita por um emaranhado de frases feitas?” Todos continuam a dormir e você ainda está aí, dentro de um silêncio que acalma e acalenta. Como é gostoso esse silêncio. Um silêncio que não é facilmente quebrado pelas tais frases feitas. Frases feitas possuem o sutil e refinado dom de quebrar o, até então, inquebrável. Esse é um silêncio de mãos dadas com um tênue odor de café e cigarro. Café e cigarro só perdem o posto de “par perfeito”, para o seu par de luvas caramelo – que deixou de ser um par. E me pergunta qual foi a última vez que deu a mão a alguém. Qual foi a última vez que você deixou algo abraçar as suas mãos? Eu lhe respondo: certamente foi um dia antes de você perder uma das suas luvas caramelo. Repare, um que era feito de dois, nunca mais é o mesmo quando sozinho. A quietude é quebrada pelo som que o cigarro emite enquanto queima. As faíscas e cinzas do cigarro embalam a valsa que a lua insiste em não dançar. Talvez porque não tenha par. A lua nunca teve par. Por relapso, você desfez o lindo casal que eram as suas luvas caramelo. Certamente a deixou em algum bar. O café acaba, o cigarro apaga, você ainda não. Você não é feito de faíscas, tampouco de cinzas. Deixemos isso para o cigarro que se desfaz entre os seus longos e finos dedos. E ao fechar os olhos, gargalha por se ver como um caminhante noturno, que embora estático, está indo embora. E em marcha, se distancia cada vez mais das enojadas frases feitas. E enquanto todos sonham, você acorda. E sonha quando acordado. Nesse instante, que antecede o prelúdio do nascer do sol, você se dá conta que é alguma coisa. Alguma coisa sem frases feitas, sem cinzas, nem faíscas. E enquanto sua vida não acabar nem apagar, você continuará ali. E no mesmo compasso em que o frio lhe abraça e acaricia, eu lhe digo meu amigo: “você é alguma coisa, que não precisa de coisa alguma”. Entretanto, trate de comprar um novo par de luvas. Suas mãos estão tão frias, e vazias. Mas por favor, mude de cor, nunca gostei de caramelo!

Um comentário:

Igor Lessa disse...

Nossa, Jozi! Que prosa poética!
Ficou lindo e dessa vez, além do enredo, gostei muito também do final!

Um beijo! (to indo ler a outra! rs)


Olhando Pra Grama - Crônicas de um ansioso