terça-feira, 1 de setembro de 2009

Romeus e Julietas

“E eu sei que o amor é uma coisa boa”, já dizia Belchior. Se Elis concordou e cantou essa frase incontáveis vezes, eu que não vou discordar. Apenas lembro que o amor também é uma tragédia. E convenhamos, tragédias amorosas existem a pencas e nos mais variados gêneros. As terminadas em suicídio acontecem desde que Shakespeare deu vida a Romeu e Julieta, lá no século XVI. Ou, desde que incrementaram os juramentos das cerimônias de casamento com a fatídica indagação: "Promete ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-lhe e respeitando-lhe até que a morte os separe?". Ah ta, você não acredita que esse sermão surreal seja levado a sério? Pois acredite, vou contar duas histórias para você.


Tenho em mãos uma foto de um casal que tirou de letra o juramento-de-pé-de-altar. No retrato em preto e branco, retirado de um jornal, ambos beiram os 40 anos. Ela estampa um sorriso largo. Ele, um riso contido e um olhar sonhador, camuflado atrás de um par de lentes redondas.

O casamento do maestro britânico Edward Downes e da produtora de tevê, Joan, durou 54 anos (voála). Edward com seus 85 anos, nas costas arcadas, não conseguiria viver sem Joan, que, beirando os 74 anos, tinha um câncer terminal no fígado e no pâncreas. Nas mãos ela trazia uma receita com os dizeres: você tem poucas semanas de vida. Após se envenenarem, os dois morreram de mãos dadas.


Agora, imagine passar anos lutando contra uma doença que não é sua? E que tal encontrar inspiração para escrever um livro em homenagem àquela que motivou essa luta? Foi exatamente isso que o escritor austríaco André Gorz fez. Antes de cometer suicídio junto com a esposa, André escreveu "Carta a D. - História de um amor". O livro, como o próprio título sugere, é uma homenagem a Dorine, a companheira com quem André partilhou a vida por quase 60 anos.

Dorine foi vítima de um erro médico que ocasionou uma doença degenerativa. O casal vivia em retiro na tentativa de amenizar os efeitos da doença. O trecho a seguir, muito usado para divulgar o livro na época em que foi publicado no Brasil, salienta bem o amor de André por Dorine, e mostra docemente os traços da doença: "Você está para fazer oitenta e dois anos. Encolheu seis centímetros, não pesa mais do que quarenta e cinco quilos e se mantém bela, graciosa e desejável. Já faz cinqüenta e oito anos que vivemos juntos, e eu te amo mais do que nunca".

Até que, em setembro de 2007, o casal foi encontrado morto – ambos “repousavam”, um ao lado do outro. Nós dissemos com freqüência que, se por um absurdo tivéssemos uma segunda vida, iríamos querer passá-la juntos". E assim foi.


Quando penso nesses dois casais fico oca. Uma brancura infinita toma a minha mente, feito a cegueira leitosa do Saramago. É como se um leque fosse aberto diante de mim, lançando impressões no meu rosto; elas estão na palma da minha mão, mas eu não consigo segura-las, pois elas dançam, se multiplicam feito uma praga e fogem do meu alcance a cada abrir e fechar do leque. A cada uma compete a missão de zombar de mim, ao som de curtas risadas. Opa, delirei.

Delírios a parte, encaremos os fatos: o amor é responsável não por todas as mortes, mas sim pelas mais belas – a morte pode ser bonita. E enquanto houver a morte, haverá o amor, que continuará cometendo constantes homicídios e suicídios. Afinal, quantas vezes você já matou e morreu por amor? Quando se permite amar, todos têm uma alma felina e bem mais que sete vidas. Eis o “amor fati”.

5 comentários:

Leo disse...

Numa época em que os protagonistas dos álbuns "meu amor" dos orkuts por aí a fora são substituídos a cada instante, a palavra amor desbotou, infelizmente...
Hoje em dia amar é brega, andar de mãos dadas é cafona e namorar está fora de moda.
E assim vai o ser humano, achando que é feliz na sua torre solitária.

Belo texto.
Beijo! (:

Júlia Manacorda disse...

Meu Deus! Quão wertheriano foi isso, minha querida?
Despertou minha alma barroca, e lágrimas nos olhos.
Outro dia li um Gabriel García Marquez, Do Amor e Outros demônios, não sei se conheces, mas... eu me apaixonei, uma menininha de cabelos longos presa em um convento carmelita e seu salvador, um teólogo antes ambicioso. Mas, o amor também tem seu lado cômico, autos inquisitórios são hilários (sádica, eu).
Bem, querida, beijos e queijos.

obs: Ando muito enrolada com a faculdade e estava sem internet, mas tentarei aparecer mais.

Luiz Fernando Cardoso disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luiz Fernando Cardoso disse...

Acredito no amor. Creio também que é possível ser fiel "até que a morte os separe", especialmente quando há amor. Sei! O que digo parece insano, por isso, não espalha.

Jozieli Wolff, que texto! Melhor que isso, só com um café para acompanhar. Bem melhor que isso, só uma versão completa desse café light!

Beijo virtual, do tamanho de Maringá :o*

Felipe disse...

Às vezes custa acreditar na vida real, né não?

=)