segunda-feira, 18 de maio de 2009

↕ Outra lira

É como disseram outrora, que a vida nos seus 20 anos "é uma lira, mas sem cordas; uma primavera, mas sem flores; uma coroa de folhas, mas sem viço".


O espelho diz que envelheci. Cheguei aos 20 e tudo já havia acontecido. Aos 20, quem tivesse me conhecido três anos antes notaria o quanto eu havia envelhecido. Ganhei uma cor opaca, um olhar tristonho e uma ruga na testa que aqui não estava; daqui não sairá nunca mais. Tenho os pés calejados, a chuva queima e o sol envelhece.


Bem antes dos 20 foi quando comecei a transformar as pessoas em personagens. Cambaleando nas recordações, tecia suas histórias sem desenhar seus rostos. Creio que sem eles, meus personagens, eu não seria a pessoa que sou. Fico me imaginando daqui uns anos, sozinha, sempre carregando nas costas o peso de uma idade a frente daquela que tenho; me vejo e me entristeço.


Então, quando sinto frio os trago para perto de mim. Passo os olhos por eles, acaricio seus rostos, sinto seus gostos. Confesso, às vezes não consigo passar da décima linha. É como se eles nunca tivessem sido pessoas. É como se sempre tivessem sido meros personagens, desses dos livros de outros.


Ainda somos aqueles personagens, vestindo novos trajes a cada linha lida, meu amor.

sábado, 16 de maio de 2009

Meu bem, você deveria saber que o som alto não abafa os gritos. Eles regressam quando o céu veste cinza. Como essa cicatriz rosada, que lateja em dias de chuva, alojada e saliente em minha pele? É. Aliás, acho essa sua cicatriz um charme só. Mas a questão é que você deveria comprar um gravador e largar esse cigarro. Isso de ter que anotar as ideias o tempo todo é ridículo. Isso vai te matar. O alzaimer precoce? O bombardeio de ideias que me assombram e inspiram e depois fogem? Os dois, mas principalmente esse cigarro e a bebida. Não finja se preocupar, vou morrer é de amor, não de cirrose! “Por” não, “de” amor. Morrer por amar demais, em excesso. Por ter tantas paixões, por colecionar dores. Por ser essa explosão de vida e sentimentos que no estio flamejam feito fogo, e que em seguida apagam e não mais acendem. Para com isso, não me venha com divagações baratas! Eu amo sim, por isso escrevo! Você deveria me ler mais, então saberia. Ler as histórias que não vivi, as coisas que não faria, os amores que não matei. Não, obrigado. Não gosto dos seus textos. Nem eu, acho que é essa desorganização toda que ainda não aprendi a controlar. Mas eu gosto de gente doída. Eu também. Você escreve porque tem medo. Com essa facilidade de esquecer e de mentir, escreve pra recordar. Mentir? De poeta e mentiroso, todo mundo há de ter. Se não têm, acreditam ter. E a gente acredita que têm. Exatamente, e ainda aplaude. Viva! Mas sobre você, digo que suas mentiras são somente pra si. Mente que é capaz de esquecer. Não! Sim, e escreve por ter medo de ser esquecida. Você quer é permanecer. Mas eu não lhe condeno pequena, afinal, quem não quer? Eu escrevo pra cessar a dor, e só! Não! Escreve pra não virar somente pó! Chega. Viu! E quanto aos gritos? Não os ouço, os leio. Enfim, eu acho que você tem razão, vou largar esse cigarro, um dia desses entro em combustão antes da hora e não terá ninguém pra guardar minhas cinzas ao pé da cama. Ninguém. Ah, já te contei a minha teoria sobre a invenção do twist? Não! Nem quero saber, por hora nada de dançinhas iê iê iê... Sejamos sutis e vamos brindar nossas insônias. Sutil é esse seu mau humor crônico, não sei porque perco tempo com você. É porque você me ama. Nunca! Enfim, acho que amanhã vai chover. Cicatriz filha da puta.

domingo, 10 de maio de 2009

O quarto é escuro. Nele, há uma mistura de suor e perfume doce no ar.


Ele a olha como se esperasse ver seu rosto. Ela não percebe, tem os olhos fechados. Ela está alerta a tudo o que acontece lá fora, nos diálogos vindos da rua. De repente ele diz: eu te amo. Depois sua respiração fica ofegante. Seu corpo é terno, quente. É tanta, tanta ternura meu Deus! Ela não responde. Poderia dizer que também o ama, ou que não sente nada, mas fica calada. Ele está trêmulo, torcendo para que apenas tenha pensado em dizer, ou que ela não tenha ouvido. Então ela compreendeu. Ele nunca a conheceria. Jamais seria capaz de conhecer tanta perversidade.


A ela compete jamais esquecer as fragrâncias. Dar corda na vida, permitir que seus ponteiros antecedam os segundos que se esvaem. Como um colecionador de perfumes.

domingo, 3 de maio de 2009

Deus!
Ainda que eu falasse a falácia dos homens.
Ainda assim você não ouviria.
Ainda assim você nada diria.

E se eu aprendesse, recitaria em coro, baixinho.
Então lavaria minh' alma com sua água santificada.
Num gozo oco, como a tua imagem.