quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

En primavera

“Y se llevó la primavera al cielo”.

Pablo Neruda


Há alguns anos passei a almejar, sem buscar, um verso simples e verdadeiro que resumisse o poder de renovação do amor. Dentro do meu vazio estava o conhecimento da existência deste poder, mas meus lábios haviam provado somente ensaios do seu gosto adocicado. Depois de alguns sóis, só, primeiramente descobri a estação do amor: a primavera. É, se o amor tivesse uma estação seria a primavera, pois nela tudo o que parece ter morrido outrora, nasce novamente, forte, intenso. E, principalmente, o que nunca brotou desperta pela primeira vez. Até a fé é capaz de renascer pelo amor. Quanto ao verso simples trajado de verdade? Este vem macio, ao som de uma gaita de boca, e pode ser lido nos meus olhos; na luz do sol que pinta com um sorriso cada amanhecer. E o sol, este sempre vem sagaz, e como o amor queima, inquieta e abrasa; mesmo que este tenha acabado de nascer e seus raios ainda sejam tímidos.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

A marcha

Para Talita Kroetz


Muda voz do mundo oco e surdo que não ouve o som dos passos vagarosos, ecoado pelas pessoas que marcham nas ruas; em fila, clamando caladas por nula lição.


Apenas nós ouvimos. Eu sei que você, assim como eu, escreve em linhas incertas impulsionada pela certeza do saber. E em cada letra torna busca achar respostas; e desenha no papel um sorriso desbotado para digerir tanta hipocrisia.


Que astúcia do tempo é essa, que faz da ingenuidade cria sedenta da burrice? Quem é o maestro que ensaiou tão bravamente o coro das frases feitas? Quem pintou o mundo com uma cor assim tão triste?


A verdade, minúscula e insignificante, como um grão de poeira perante o interesse coletivo, quando cai em nossos olhos arranha, provoca incomodo, e nos faz cambalear diante dos fatos. Mas, por quê? É desse incomodo que provém o desfile de homens e mulheres; que lá fora seguem em passos lentos, vendados, em uma marcha sem fim.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Hoje é 25

Trajo luto, mas isso não impede que eu transforme a janela simples em luxuoso camarote, e de lá ouça doces melodias cantadas por pássaros sem cor, que nesta manhã de natal dividem a rua apenas com finos pingos de chuva - "a frescura das gotas úmidas". E amanhã será um novo dia, amanhã será mais um 26 de dezembro, e todos os votos de ontem serão esquecidos - junto com 1996, que baterá em minha porta somente ano que vem. Até lá!

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Atíria

Na horta das horas eu apenas espero.


Ensaio os traços de uma mulher melhor e a folha continua em branco. Justo agora recordo que a primeira palavra que aprendi a escrever foi “borboleta” (depois de "pai", "mãe" e "Camila" – é, meu segundo nome é esse ai, bem melhor que o primeiro, mas enfim). Não sei se exatamente por isso, sei apenas que desde criança tenho certo fascínio por borboletas. E são borboletas azuis que zelam pelo meu sono. Mas quem vive de fábulas? Atírias não são reais, por isso durmo só, ao relento!


Se minhas lembranças não ardessem como brasa e tampouco minhas palavras fossem espinhos, certamente eu chegaria a uma conclusão plausível dos passos que dei até aqui, sem sentir cansaço ou asco. E enquanto estou aqui esperando o tempo passar, o vento traz diante de mim a clareza, no colo de uma folha verde que rola lentamente pelo chão do verão, até tocar meus pés. No verde da folha está gravado com letras de forma: preciso de você, Deus. Tremo. Nesse instante inicio uma série de suplicas e confissões para o invisível:


“Firo, mas juro, não é proposital. Sou cruel, incrédula, mas sei amar, você sabe que eu sei. Mas se mesmo amando continuo ferindo, é porque preciso de você. Preciso que você volte a morar em mim, como quando eu era criança, mesmo que seja apenas para permitir que eu durma em paz. Mas para tê-lo como inquilino preciso ter fé, não é? Se a morada da fé é a esperança, então eu devo ter uma faísca de fé pulsando no meu peito, pois não sou desesperançosa. Agora, exausta, sentada diante de mim, não quero mais o desenho de uma mulher melhor. Quero, apenas, deixar de sentir o sopro gelado da dor”.


Ainda aqui, na horta das horas, eu apenas espero.