sábado, 20 de fevereiro de 2010

Os sorrisos, os sonhos e os morangos

Te olho no espelho, nas fotografias de anos atrás e fico pasma com a sua frieza: como você conseguia sorrir daquele jeito? Eu sei, hoje, aqui, a expressão mais forte que consegue é o suspiro de cansaço, aquele que vem toda noite quando o sono está prestes a entrar. O sono entra sem cerimônia, afinal, já é de casa – senta confortavelmente no sofá da sala, e de lá, enquanto assiste putaria e toma café, zela por seus sonhos. E quando amanhece, você permite que o sono leve consigo seus sonhos, numa malinha preta de couro barato. O destino: a casa amarela de uma senhora grisalha chamada Covardia. Por isso há tempos suas lembranças não têm sonhos; nem sonhados, nem infundados.


Por quê? Para justificar você usa frases repetidas e aplica nas feridas doses incalculáveis de martírio, mesmo sabendo que elas fecham, reaparecem e depois partem novamente, como o sono com seus sonhos.


Ah sim, voltemos às fotos com sorrisos estampados: são do tempo em que você era apaixonada pelos morangos que seu pai plantava no quintal. Você não lembra, mas ele guiava suas mãozinhas para que o fruto fosse colhido da maneira devida, “você corta aqui ó, dois dedos acima do solo”. Hoje, seus dois dedos equivalem a um, e os morangos mofaram.


Você precisa aceitar o fato de que somos, eu e você, como uma árvore de vinte anos: que começará a morrer antes mesmo que os primeiros sinais de fraqueza contornem os traços desse corpo cansado. E esse corpo miúdo perdeu o viço naquele dia em que você os deixou partir: os sorrisos e os sonhos.


E esqueceu dos morangos.

3 comentários:

Vani disse...

Muito bonito. Bem retrata-dor, nesse sentido ambíguo mesmo que o jogo de palavras proporciona, das coisas que a gente mata pelo caminho a bem de um propósito que, pensamos nós erroneamente, seria melhor...
Merci, pela visita ;)
Bj

Paterson Franco disse...

Jozieli, perdoe-me por sempre fazer alusões à Rússia, mas isso me faz lembrar uma frase que li num ônibus um dia desses aqui em Izhevsk, que era mais ou menos assim: "Один мудрец сказал: Не плачь, потому что закончилось; улыбайся, потому что было."
(Um sábio disse: Não chore porque acabou, sorria porque houve.)

Vani disse...

E por que nos ensinam sempre a aceitar a descontinuidade das coisas? Por que não podemos lutar para manter aquilo que nos faz bem? A bem de quê?