sexta-feira, 25 de março de 2011

Carta a D: amor versus existencialismo


Em pouco mais de setenta páginas, conheci um homem e uma mulher, ambos na mesma história. André e Dorine, embora seguissem o existencialismo como corrente filosófica, não praticaram os mesmos preceitos dos amigos Sartre e Simone. E é assim, versando o amor e o existencialismo que André Gorz narra os anos que viveu ao lado de Dorine.

De antemão, o que torna este romance fascinante é o enredo: renomado filósofo e jornalista austríaco (radicado na França), tem o primeiro romance publicado postumamente, após suicidar-se com a esposa, Dorine, em 24 de setembro de 2007. Eis o especialista em Sartre, teórico social e político, líder em Maio de 68, autor de diversos livros na área de sociologia e filosofia, divagando abertamente sobre o amor; e este vem ácido, nem sempre macio.

Engana-se quem espera ler uma história fúnebre, sobre uma mulher que convalesce e recebe efusiva veneração. Gorz não destina uma admiração desmedida a esposa, pelo contrário, a justifica todo instante; e convence, pois ao último ponto final do livro todos se tornam fãs de Dorine. Enquanto eleva a esposa, o autor revela fraquezas, narra uma série de martírios por integrar o enlace matrimonial e, principalmente, por inferiorizar aquela que deu sentido a sua existência.

Outra surpresa. A tão mencionada doença de Dorine toma forma somente nas últimas páginas do livro, não é o foco central da história; que também aborda vários aspectos socialistas. Mas, sobretudo, Gorz buscou mostrar como um amor amadurece e é capaz de “renunciar para se concentrar no essencial”. Assim, o autor biografado não mediu esforços para prolongar a vida da esposa – expõe um amor raro, invejável.

Carta a D é a história de uma relação amorosa que ora parece surreal, ora se torna palpável; é preciso sensibilidade no instante que as palavras encontram os olhos e, sobretudo, chegam ao coração. É um romance de um casal, como tantos outros, que enfrentou dificuldades financeiras, emocionais, ideológicas e até driblou a morte para permanecer juntos. O suicídio não foi uma atitude egoísta de quem temia seguir o carro fúnebre da esposa. Os dois escolheram morrer esperançosos, certamente de mãos dadas, crentes que adiante haveria um novo amanhecer.

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