O nascimento e o nome não virão na primeira linha. O ponto de partida deve ser uma lembrança; a primeira da infância, ainda nítida. Aos quatro anos temia a chuva. Achava que os pingos da chuva se transformavam em peixes quando caiam nas poças d’água – o pingo vinha do céu como uma pedra lançada, encontrava a água morna e, furtivamente, a deixava em pura agitação. Ainda hoje, essa lembrança desperta nos dias chuvosos, mas não temo, pelo contrário – ela emudece raios, pinta de azul o céu que do outro lado da janela insiste em trajar cinza. Essa lembrança quem me deu foi meu pai.
Pelo o que me consta, a vida começou no dia 19 de dezembro de 1989. No mesmo dia e mês, em 1915, nascia Edith Piaf, o pássaro francês. Não, eu não canto (sóbria), mas foi com mulheres como Edith que aprendi que a música – assim como a literatura – é capaz de eternizar histórias e servir, principalmente, como ferramenta de luta; seja em revoluções ou pela simples sobrevivência diária.
O tempo passou traçando datas, trazendo nomes, rostos, anos...
Folheando um livro, há alguns meses li a seguinte frase: “Você é muito medroso e com medo ninguém consegue escrever”. Mais uma vez Clarice Lispector veio até mim, desta vez me mostrando que com medo ninguém é capaz de viver. Por isso deixei o medo na primeira lembrança, nos jardins da infância.
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