Quarta-feira depois do Carnaval. A euforia alheia se despede, enquanto a cortina oscila como uma bandeira em alto mar. É um abrir e fechar calmo, guiado pelo vento fresco que sucede a chuva de verão. Enquanto se move, feito uma dançarina que exibe o gingado com o balanço da saia, a luz forte clareia o quarto que hora traja cinza, hora recebe um afago morno feito de resplendor. Claridade vinda assim, furtiva, faz os olhos murcharem. Afinal, ninguém suporta tanta sinceridade. Chega doer. Mas de onde vem essa dor? É uma dor vestida de Colombina, receio.
Por pouco, o cinza da “quarta-feira
de cinzas” foi soberano. Mas o branco foi mais destemido e invasivo, se dissipando
e dando espaço ao azul escondido atrás das nuvens finas. Não há mais vestígio
de chuva lá fora. Aqui dentro, no meu peito, uma sensação de sossego ganha
força na medida em que as nuvens andam depressa, sem pausa para formar nenhum
desenho. Será que há mais alguém vendo
isso? Bem possível, pois está nos livros, está nos filmes, que o céu é para
todos. Ao menos para àqueles que, de vez em quando, se detêm na tentativa de decifrar
o que é comum a todos. Como o céu, o sol, a lua, a dor, a esperança, o riso, a
alegria. A morte.
Não há cinzas na minha quarta-feira
de cinzas. E quanto ao Carnaval? Embora aparentemente seja regra a quem nasceu
no ponto verde-amarelo deste lado do meridiano, às vezes é possível escolher o
lado avesso. Ou aceitá-lo sem banalidades e sem ziriguidum-dum-dum. Será mesmo
possível? Enquanto a resposta não vem, fica a certeza de que o Carnaval é para
todos, mas a quarta-feira não.
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