quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Atíria

Na horta das horas eu apenas espero.


Ensaio os traços de uma mulher melhor e a folha continua em branco. Justo agora recordo que a primeira palavra que aprendi a escrever foi “borboleta” (depois de "pai", "mãe" e "Camila" – é, meu segundo nome é esse ai, bem melhor que o primeiro, mas enfim). Não sei se exatamente por isso, sei apenas que desde criança tenho certo fascínio por borboletas. E são borboletas azuis que zelam pelo meu sono. Mas quem vive de fábulas? Atírias não são reais, por isso durmo só, ao relento!


Se minhas lembranças não ardessem como brasa e tampouco minhas palavras fossem espinhos, certamente eu chegaria a uma conclusão plausível dos passos que dei até aqui, sem sentir cansaço ou asco. E enquanto estou aqui esperando o tempo passar, o vento traz diante de mim a clareza, no colo de uma folha verde que rola lentamente pelo chão do verão, até tocar meus pés. No verde da folha está gravado com letras de forma: preciso de você, Deus. Tremo. Nesse instante inicio uma série de suplicas e confissões para o invisível:


“Firo, mas juro, não é proposital. Sou cruel, incrédula, mas sei amar, você sabe que eu sei. Mas se mesmo amando continuo ferindo, é porque preciso de você. Preciso que você volte a morar em mim, como quando eu era criança, mesmo que seja apenas para permitir que eu durma em paz. Mas para tê-lo como inquilino preciso ter fé, não é? Se a morada da fé é a esperança, então eu devo ter uma faísca de fé pulsando no meu peito, pois não sou desesperançosa. Agora, exausta, sentada diante de mim, não quero mais o desenho de uma mulher melhor. Quero, apenas, deixar de sentir o sopro gelado da dor”.


Ainda aqui, na horta das horas, eu apenas espero.

Um comentário:

Jozieli disse...

Atíria é o personagem principal do livro "O caso da borboleta Atíria", que é uma fábula e tem pitadas de suspense (lembra um romance policial, instigante quando se tem 10, 11 anos de idade. Um dia pretendo lê-lo novamente). Atíria é uma borboleta que mal pode voar, pois tem um defeito nas asas. Ai eu pergunto: quantas Atírias temos por ai, ainda acuadas em suas crisálidas ou sem poderem/saberem usar suas asas? (...)