quarta-feira, 16 de julho de 2008

↕ Flores, vísceras e cinzas

Flores
Você está ai. Os mesmos olhos que ontem me fitavam e condenavam, agora estão selados. O rosto antes levemente corado, agora é tomado por uma enorme palidez. A boca agora gélida e imóvel, nem de longe parece ser a mesma que ao fechar os olhos consigo sentir quão ardente era quando encontrava os meus lábios. Sua mão pequena, agora se faz entrelaçada sobre o seu ventre, enrijecida e fria.
Lembro da primeira vez em que toquei no seu rosto. Da primeira vez que a beijei ao som de uma música qualquer. Da primeira vez que me deixou guiá-la pela mão. Mas mesmo aqui, parado diante de ti nesse caixão, continuo com a mesma sensação e crédulo de que somente o teu peito junto ao meu, é capaz de criar um calor que facilmente acabaria com o vazio que carrego comigo agora, e o frio que sinto ao tocá-la. Lembro de tanta coisa querida. Só não lembro de ter dito que a amava. Desculpe se sempre fui tolo. Mas hoje lhe digo: “Eu amo você”.

Vísceras
A gente passa a vida inteira acuado pelo medo, quer ver?
A gente só faz reclamar, com medo de se acomodar. A gente ouve música doída enquanto chora mágoas, com medo de gargalhar. A gente não pisa na terra descalço, com medo de se sujar. A gente não sente a chuva tocando nosso corpo – como um homem nos guiando por algum salão ao som de um jazz qualquer – com medo de ser intitulado “anormal”. A gente não sente o vento, com medo do frio. A gente não tenta, com medo de conseguir. A gente não grita, com medo de gostar e repetir a dose. A gente anda na rua sem olhar pros lados, com medo de ser desmascarado. A gente não sabe amar – não sabe amar a família, os amigos, o cachorro. A gente causa mal a nós mesmos, com medo de causar aos outros. A gente passa a vida com cautela, com medo de se arriscar no abismo. E por fim, a gente deixa pra sentir o quanto ama alguém somente quando a pessoa vai embora, por medo de se declarar e ouvir um “eu também te amo”.

Cinzas
Hoje eu sou um amontoado de medos, vísceras, cinzas e flores. Tirando as cinzas e as flores com aroma enjoativo, você é igual a mim. Quanto a você querido, esse seu “eu te amo”, muito embora perto, ecoa longe. E digo mais, se fosse pra dizer que me ama no meu funeral, continuasse calado, seria melhor. Mas pegue um punhado de mim agora, coloque naquele seu cinzeiro colorido, e misture as minhas cinzas com as do seu cigarro. Assim, continuarei na sala, recebendo seus convidados, enquanto o seu amor e o seu luto perdurarem – o que será por poucos dias.

5 comentários:

giancarlo rufatto disse...

eu? o que eu propus? não lembro?

:P

Igor Lessa disse...

Jozi, duas coisas:

Muito criativo esse jeito de diidir os textos! Flores, Vísceras, Cinzas. Nossa, demais mesmo, gostei muito.

Outra coisa: A parte "Vísceras" está simplesmente visceral!!! hehehe O enredo é muito bom e o final, novamente, não deixou a desejar, mas gostei muito desse segundo texto!

Gosto muito do seu jeito de escrever. Já falei isso, né?

Um beijão!!!

giancarlo rufatto disse...

muda meu link, toquei de oculos. muda pra oculos do vovo.

:P

Leonardo Silveira Handa disse...

Toc, toc. Retribuindo a visita, pois colocar elogios no seu texto é quase uma redundância. Muito bacana.

*Raíssa disse...

Maravilhoso esse texto! Adoro as suas metáforas, seu modo de escrever e de ver o mundo...

Beijos