domingo, 16 de novembro de 2008

↕ Eu quebrei os meus joelhos



Eu quebrei os meus joelhos,
Pra não poder
Mais rezar
Pra você

Eu quebrei os meus joelhos
Por não querer
Mais chorar
Por você



Meu querido, sei que há tempos não lhe escrevo, entretanto não se iluda; nem pense que eu sinto sua falta. O que o senhor deveria ter feito já fez; que era me ensinar como enterrar meus mortos. Aliás, obrigada! Não espere mais de mim do que esse singelo balbucio de “obrigada”. Fique com suas flores e suas velas e esqueça as minhas preces. Ah sim, ia me esquecendo, estou lhe trazendo hoje um santo de madeira, que a mim de nada serve já que nada diz.
Enfim, desta vez o motivo pelo qual lhe escrevo depois de tantos anos não é em celebração ao dia dos pais ou alguma outra data comemorativa tola. Então não espere desenhos ou poemas infantis. A questão é que, finalmente, encontrei uma maneira de fazer com que o senhor realmente suma. Pois concorde comigo, já que o senhor foi embora por que não desaparece? Sabe, chega doer quando ela olha pra mim procurando o senhor. Estremeço quando encontro em mim traços dessa foto oval que te identifica entre tantos outros.
Sendo assim, vou dar cabo de mim mesma para que finalmente o senhor suma. Viva! Por isso estou lhe escrevendo com um pouco de antecedência, como é de bom tom. Então arrume a casa e separe um bom vinho, em breve vamos poder sentar e conversar. E se prepare, pois eu não sei se o senhor sabe, mas eu quando começo a tagarelar, valha-me Deus, não paro mais. Mas não pense que eu sinto falta disso; estou falando isso por puro interesse, já que vou ter que passar uns dias em sua casa, até me instalar em uma só para mim. Por isso preciso ser educada, você em pouco tempo me ensinou bem isso.
Ah, uma última coisa: esteja bem bonito. Vista aquele terno azul marinho que o senhor foi sepultado e use aquele perfume adocicado. Não lembro o nome, só sei que era aquele verdinho sabe. Não é que eu queira te ver assim elegante, pra mim tanto faz. Mas é que essa é a forma que eu lembro do senhor, então é melhor que assim esteja para que eu não cometa a falha de lhe confundir com outrem. E se possível, mas só se possível, ao me ver diga: minha princesinha. Não lembro da sua voz direito, então isso vai ser bom.
Vale a pena lembrar que eu mudei um bocado. Não venha querer me pegar no colo como era de costume, tanto porque acredito que o senhor não agüentaria. Lembre que não sou mais uma menininha e que agora tenho seios – um belo par de seios diga-se de passagem! Troquei todos os dentes de leite; Caí uns tombos, ganhei algumas cicatrizes, alguns aplausos; e li uns tantos livros e escrevi muitas coisas nesses anos todos que aposto que o senhor nem faça idéia que existam. Ah sim, ainda tenho seu vinil do Nazareth, levarei para ouvirmos juntos.
Bom, por hora é isso. Em breve estarei chegando. Tenho tantas coisas pra perguntar. Prepare-se.

Atenciosamente,
Jozieli Wolff

2 comentários:

Igor Lessa disse...

Vitupério e vilipêndio.




Ótimo texto, Jozi!

Leonardo Silveira Handa disse...

Uau! Que visceral! Uma lágrima ficou presa no canto do olho.