quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Um quase incesto

Não sei porque tirei o telefone do gancho, há essa hora você está no trabalho. E quando você dissesse “alô”, o que viria depois? Talvez eu gaguejasse. Ou, talvez eu desligasse. É, talvez. Não sei explicar o que senti quando me contaram. Nada de lágrimas, você sabe que sou sutil. Na verdade, foi uma mescla de sensações. Todo mundo sabia, menos eu? Na hora meu coração acelerou, agora tá normal. Opa, acelerou de novo.


E agora? Nunca mais vou chegar em casa e me deparar com a tua cara fechada. E pior, nunca mais vamos dormir juntos, nós três: eu, você e a sua camisa velha do Ozzy. Aliás, você sorri enquanto dorme, sabia? E baba também. Ah meu Deus, por que eu não me joguei pra cima de você numa daquelas noites? Porque somos primos. Por que somos primos?


Juro, parte de mim quer olhar no espelho, dar um sorriso enferrujado e recitar: “que bom assim né”. Sorrir, sorrir e sorrir. É o que terei que fazer a partir de agora. Mas a outra parte não consegue. “Mentira, você sabe muito bem fingir!” – sussurra a sábia voz da insanidade, que não tem dono. É, fazer três meses de teatro quando criança foi de grande valia, me fez a rainha da ironia. Vou conseguir por inteira.


E se eu te chamasse para um café com bolo de cenoura? Poisé, peguei a receita na internet e deu certo, mas você não soube disso, né? Soube sim, eu te contei. Você disse que ia vir experimentar, mas não veio – que bolo. Com certeza você não lembra.


Sabe, antes de cobiçar você, eu cobiço coisas mais importantes que ainda me faltam. Agora, por exemplo, preciso de uma nova receita de bolo – não dos seus bolos. Preciso também de mais açúcar nesse café. Quem precisa de você, do seu mau humor, do seu autismo não acusado e da sua camiseta velha do Ozzy?


E enquanto eu e minha incompetência amorosa nem ficantes fixos arrumamos, você casa. HAHAHA alguém em algum lugar gargalha! Mas pensando bem, alguém nessa família tem que casar, copular, procriar, enfim, se render ao sistema. Você vai ficar chato, vai usar calças beges e camisetas de botão para trabalhar. Nos fins de semana usará pólos para ir à esquina comprar pão. Em casa vai usar um calção xadrez, que com o tempo vai furar e você nem vai perceber, vai continuar usando, até o calção virar pijama, como a gasta camisa do Ozzy. Você vai levar seus filhos nos almoços de família e pedir para que eu os segure. “Vai com a prima, vai”. Lindo. Só não se espante quando eles escorregarem do meu colo sem querer. “Opa, caiu o neném”. Confortante é o fato de que você vai engordar, ganhar saliências abdominais de homem casado, desses que passam o domingo vendo futebol. Ai um dia teu pinto não vai mais funcionar, e a graça do seu casamento deixará de existir.


E quanto a mim? Ah, eu vou conhecer o cara da minha vida; algumas tantas vezes ainda.

2 comentários:

Jozieli disse...

Um texto infanto-juvenil para animar essa bodega! hahaha e só pra constar, eu não tenho nenhuma paixão frustrada por primo algum! Obrigada.

Unknown disse...

E quanto a mim? Ah, eu estarei ao seu lado conhecendo o cara da MINHA vida; algumas tantas vezes ainda.