domingo, 2 de agosto de 2009

Carta ao dono do Preto

“Todo homem precisa de uma mulher que goste de cozinhar e que acredite em Deus”. A frase tinha gosto de café, e veio no meio de uma divagação freudiana de bons amigos. Ele é músico, vagabundo e maluco. Mora com um gato preto e divide o aluguel com um piano e com um quadro falso da Monalisa, que pagam barato para dormir na sala apertada. Não vamos falar muito dela. Basta apenas, por hora, saber que ela não gosta daquele gato, que além de feio a olha como se fosse devorá-la. “Tenho a impressão de que a qualquer momento o Preto – esse é o nome do gato, bem sugestivo por sinal – vai pular no meu colo e fazer pose para uma foto com a sua mais nova presa nos dentes”, foi o que ela me confessou minutos atrás. Acontece que ele tem um álbum de fotografias só do Preto com as suas presas, é quase um book que ele mostra para as visitas todo orgulhoso dizendo: “toda vez que ele caça, ele volta pra casa fazendo um barulho assim gruuuuuuuuuuuuur”. Do piano ela gosta – principalmente da forma com que ele a desconserta em meio as notas nos seus sutis concertos. Da falsa Monalisa também – embora ele já tenha estado no Louvre e cogitado na sua mente insana a hipótese de roubar a original. Dia desses, no meio de uma bebedeira, ele disse a ela com um sorriso safado: “sua mãe é tão bonita como você?”. Ele nem deve lembrar, só lembra do que está entulhado nos seus armários e nos seus álbuns. Ele faz um bom café e sofre por amar demais, assim como ela. “Um dia tudo isso vai passar”, dizem um ao outro. Eu os ouço, e me assusto por gostar de ouví-los. Fico calada, ainda não despi minhas cicatrizes para eles, mas farei na próxima xícara de café. Eles ainda não sabem, mas ele vai embora para Paris, tocar suas músicas nos metrôs. Ela vai embora para qualquer lugar longe daqui, escrever para ninguém ler. Admito, ele é o tipo de cara por quem ela se apaixonaria caso tivesse o conhecido há uns dois anos atrás. Hoje seria impossível tê-lo de outra forma que não a atual: bons amigos. Ela não gosta de cozinhar, tampouco tem fé em algo que não seja ela mesma. E não gostaria de acordar semi-nua e dar de cara com aquele gato na porta da cozinha, miando bom dia.

Um comentário:

giancarlo rufatto disse...

gostei, ta melhorando, os detalhes finalmente estão criando imagens para quem lê.