O vento morno de uma tarde de primavera, sem cerimônia alguma, insiste em lhe bagunçar o cabelo, – convenhamos, o cabelo dela já é bagunçado. Algumas pessoas passam indiferentes. Outras, porém, arriscam olhá-la. Ela, com sua mania equivocada de achar que pode ler pensamentos alheios, decifra: “Ela deveria jogar fora aquele livro e ler uma revista Capricho, pra ver se descobre um milagre do tipo: "Descubra-Como-Domar-a-Sua-Juba-de-Leão”. Ela não se importa, e continua no seu Jogo-de-Perguntas-e-Respostas. Se bem que quase nunca encontra as tais respostas. Ela se pergunta quais são as chances de uma outra pessoa, em qualquer outro lugar, sentir a mesma rajada de vento que lhe arma as madeixas. Uma entre quantas centenas? Milhões? Nenhuma! Tudo isso é um jogo de hipóteses sem sentido. Aonde já se viu perder tempo pensando em tamanha sandice. Perder tempo pensando em algo que nem se pode ver. De fato ela não tem o que fazer. O mesmo vento que a toca, guia a coluna de pássaros, que enfeitam o céu cor-de-rosa do entardecer. Não consegue identificar a cor de cada um – óbvio. Suspende a leitura, e fica ali, olhando para o céu. “Um leão, sentado no banco da praça, com um livro na mão, olhando para o céu”. De repente, sentiu-se imensamente triste. Como se o que estivesse vendo, fosse um adeus. Pássaros que voam sobre a sua cabeça, em marcha seguindo para algum lugar. Um adeus. Naquele instante, ela desejou com todas as forças sair dali voando, entrar no final da fila e ir sem rumo pra qualquer lugar. Apenar ir, pra outro lugar. Quem sabe o vento a encontre, quando ela tiver partido. “Um leão voador”. As pessoas, embora diferentes, tão iguais. Continuam passando, seguindo o rumo de suas vidas medíocres. E ela se pergunta se há alguém nesse instante vendo os mesmos pássaros, sentindo o mesmo adeus que lhe aperta o peito. A resposta não veio. Um calafrio. Sensação estranha. Ela continua olhando. Até que o último pássaro foge do seu alcance. E ela volta-se para o livro. O seu último livro.
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