sábado, 7 de novembro de 2009

O menino da rua dos pássaros

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O menino canhoto anda atento pela rua dos pássaros. Ele traz nos olhos castanhos um olhar tímido e na mão esquerda uma sacola com algumas maçãs. No seu peito pequeno há um coração que bate forte e cuja fantasia é a inquilina que mais cômodos lá habita. Seu calção azul carrega em um dos bolsos o peso da euforia e da sorte alojada no trevo de quatro folhas, encontrado a pouco entre as roseiras da mãe – ah, e como esse trevo pesa!
Por falar em sua mãe, foi para ela que numa tarde opaca ele compartilhou a singela impressão: estavam os dois no ônibus, lotado, enquanto o menino olhava e apontava com os dedinhos para além da janela. Até que de repente disse: "mãe, olha o castelo!". Só uma criança enxergaria príncipes em uma simples chalé desbotada. Eis o que os olhos da infância te mostram num dia qualquer.
Na infância nada é medido. Por isso a tristeza não tem tamanho, é algo ainda incompreensível. A dor é presente em todos os percalços da vida, mas o sofrimento gratuito e o ressentimento gerados por ela, estes não passeiam pelos jardins da infância. É com o tempo que os pés calejam e o sol, antes morninho, envelhece.
Enquanto estamos aqui andando por ruas imundas fitando as pontas do pés, a cada passo mais distantes da infância e mais próximos da velhice, já nem lembramos mais das doces canções que nos embalavam até o sono. Andamos pelos mesmos feitos, pelos mesmos erros, sob uma ânsia cruel de rumar à acertos incertos. Tudo é pequeno e de valor ileso. Este é o tempo onde se vive tudo; e que a emoção traja a carcaça do nada. As vezes, num passeio pelos traços do tempo, os dias nos trazem algum ensinamento; mas tê-lo é questão de sorte, como quando se é criança e se atemos a um simples trevo.
Somente em dois períodos da vida somos capazes de enxergar realmente, e de ter fé – em Deus e nas pessoas. E em ambos temos “sete palmos” – sete palmos de altura, sete palmos na penumbra! Na infância e na morte. Nesta última, exaustos de tatearmos no escuro, finalmente abrimos os olhos, pousamos os anseios, os medos e a hipocrisia no peito da morte. E os dias dos passeios descalços regressam e, então, incumbidos de uma leveza até então concebida somente na infância, podemos novamente, enfim, voar. E lá do alto enxergamos a sorte de um dia termos estado do lado de lá; que hoje, ainda, é cá.
Enquanto isso...
O homem canhoto anda depressa pela rua dos ratos. Ele traz nos olhos castanhos um olhar tristonho e na mão esquerda uma pasta sem nenhum sonho. No seu peito cinzento há um coração que já nem bate direito, e cuja hipocrisia é a inquilina que mais cômodos lá habita. Seu terno azul carrega em um dos bolsos o peso da mentira que está alojada nas folhas murchas da sua consciência – ah, e como essa consciência pesa!

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