Quando a leitura é conduzida por Jane Austen, os cenários são ao mesmo tempo comuns e singulares. Isso se dá pela proximidade entre os enredos dos seus livros, na temática, na época, na sociedade inglesa descrita com minuciosidade e maestria através da sutileza feminina presente no texto; tanto nas personagens quanto na autoria. Mas engana-se quem espera livros compostos por lamúrias de “mulherzinha”. Jane Austen consegue abordar muitas nuances da sociedade e do íntimo dos indivíduos de maneira crítica; e evidenciou essa capacidade em Mansfield Park, obra de 1814.
Seguindo a corrente dos mais
aclamados e conhecidos “Orgulho e preconceito” (1797), “Razão e sensibilidade”
(1811) e “Persuasão” (1818), ao compor os habitantes da propriedade campestre
denominada Mansfield Park, situada não muito distante de Londres, Jane Austen
mostrou o íntimo de uma família inglesa burguesa. Contudo, em vez de atribuir
um ou dois sentimentos como atenuantes da história, em Mansfield Park a autora
consegue reunir todas as atitudes capazes de serem abrigadas no coração
pulsante de jovens primos que, no auge da adolescência, suscitaram paixões e
decepções num círculo familiar que se viu diante de impasses ideológicos, imprudências
e escândalos.
O livro traz como personagem
principal a tímida – e por vezes insossa – Fanny, que aos nove anos é levada
para morar em Mansfield Park, propriedade dos tios Bertram; solidários a má
sorte financeira da família da sobrinha. Em Mansfield Park, Fanny cresce ao
lado dos quatro primos, do tio e das duas tias, sendo inserida numa realidade
bem diferente da que encontraria na casa dos pais, tendo acesso a conforto e
boa educação. Porém, embora tenha compartilhado o mesmo teto que os primos
desde a infância, por muito tempo Fanny não foi tratada como igual.
A posição inferior imposta a
Fanny dá lugar a coibição exagerada que a menina carrega nos ombros, o que a
impede de ter um peso decisivo na trama, como se espera de qualquer protagonista
ativa e forte de Jane Austen. Chega-se a crer que Fanny está em segundo plano,
alimentando uma paixão inalcançável pelo primo Edmund. Mas Jane e Fanny
surpreendem. Na medida em que a história avança, compreende-se que Fanny não
precisa esbravejar para que sua figura seja notada, tampouco para que sua
personalidade, inteligência e ações influenciem o rumo da história que
genuinamente passa a girar em torno dela.
Jane Austen realmente consegue
surpreender – reitero aqui a surpresa – porque não permite que o leitor insinue
o desfecho da história até que ela o apresente. Então, a autora se mostra
ousada, pois além de explorar a mesquinhez alheia com a maestria anunciada nos
livros anteriores, em Mansfield Park ela também aborda o casamento entre primos
de classes sociais distintas e a traição conjugal – lembrem-se, os temas
denotam em uma sociedade conservadora e aristocrática no início do século XIX;
eis a ousadia de uma mulher que vence barreiras pelo simples ato de fazer
literatura e de, através dela, expor os pormenores de uma sociedade
aparentemente sem deformidades morais.
Com Fanny, Jane Austen rompe todo
e qualquer preconceito social, pois essa protagonista se mostra superior às
primas cujo discernimento e bom senso deveriam sobressair diante da menina
frágil e de origem humilde; que alcançou estima graças ao caráter distinto da
burguesia representada pelas senhoritas Bertram.
4 comentários:
Jozieli,
sempre temos em mente que a heroína difícil de amar é Emma pois Jane Austen assim disse. Mas confesso que a pequena Fanny Price às vezes me dá nos nervos!
Ótima resenha, mencionarei hoje no meu Jane Austen em Português.
um abraço, raquel
Adoro Jane Austen, mas ainda não li Manfield Park, fiquei agora com mais vontade de ler depois da suas impressões.
Beijos!!
Oi Raquel,
Realmente, no início é difícil gostar de Fanny. Ainda não li Emma, mas já ouvi muito sobre ela - estou preparada, suponho.
Não conhecia o seu site, gostei bastante, parabéns! Obrigada pelo lembrete da minha resenha por lá.
Um abraço.
Izabela,
Fico feliz de tê-la instigado a ler Mansfield Park. É um livro maravilhoso, nos faz gostar ainda mais de Jane.
Boa leitura (vou querer saber suas impressões, após concluir o livro).
Um abraço.
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